Documento elaborado por parlamentares confirma necessidade de mudar a legislação, para incluir a questão do consentimento, como ficou evidente no julgamento dos 51 homens acusados de estuprar Gisèle Pelicot.
Pouco depois de a França ter sido abalada pelo julgamento de 51 homens acusados de drogar e estuprar Gisèle Pelicot, um relatório elaborado por parlamentares destaca que o país deve atualizar sua lei de estupro para adicionar uma referência clara ao consentimento.
O documento apresentado nesta terça-feira (21/01) pede ações urgentes para que a lei seja atualizada. “Quase dez anos após o início do movimento #MeToo e, como o julgamento [de Pelicot] mostrou mais uma vez, a luta contra a cultura do estupro deve ser prioridade; a luta contra a cultura do estupro precisa de uma lei mais clara”, diz o texto.
O relatório foi elaborado pelas parlamentares Véronique Riotton, da aliança centrista Juntos, liderada pelo presidente Emmanuel Macron, e Marie-Charlotte Garin, dos Verdes, que integra a aliança de esquerda Nova Frente Popular (NFP). Elas trabalham desde 2023 para produzir as recomendações à lei francesa para que seja incluída uma definição de estupro baseada na questão do consentimento.
O trabalho das duas parlamentares começou antes do maior julgamento de estupro da história francesa, no qual o ex-marido de Gisèle Pelicot, Dominique Pelicot, e outros 50 homens foram considerados culpados de drogá-la e estuprá-la enquanto ela estava inconsciente em sua casa.
A lei francesa define o estupro como sendo qualquer ato de penetração cometido contra alguém usando “violência, coerção, ameaça ou surpresa”. A legislação, no entanto, não faz nenhuma menção clara à necessidade do consentimento entre os parceiros.
As parlamentares querem encaminhar um projeto de lei para modificar a legislação, mantendo a redação atual, mas adicionando uma referência a quaisquer atos de penetração sem consentimento.
O relatório afirma que existem estereótipos na sociedade que se referem a supostas “boas vítimas” e à noção de “estupro real”, e que muitos dos acusados disseram não saber que a pessoa que agrediram não havia consentido.
Macron apoia reforma na lei
O relatório destaca a necessidade de um reconhecimento de que o consentimento é específico para um ato, concedido livremente, e ainda pode ser retirado a qualquer momento. A falta de consentimento também deve ser levada em conta dentro das circunstâncias mais amplas de um caso de estupro, a fim de jogar mais luz sobre o acusado do que sobre a vítima.
Riotton e Garin criticaram o “clima de impunidade” que persiste na França em termos de violência sexual. Embora uma mudança na redação da lei “não fosse suficiente por si só” para combater as dificuldades das vítimas em fazer com que um caso seja processado e, ao final, obter justiça, elas disseram que isso poderia se tornar fundamental para uma mudança de paradigma, algo que vem sendo exigido por grupos feministas e pela opinião pública.
Durante o julgamento de Pelicot, teve início um debate na França sobre a ideia de adicionar a noção de consentimento às leis francesas de estupro. Alguns integrantes do sistema legal eram contra, dizendo que era necessário melhorar o melhor financiamento e o treinamento no sistema de Justiça. Outros entendem que adicionar a noção de consentimento poderia colocar o foco nas ações e palavras das vítimas, e não nos agressores.
O próprio Macron já se pronunciou favoravelmente à inclusão do consentimento na legislação sobre o estupro. “Eu compreendo totalmente que o consentimento deve ser consagrado na lei”, afirmou o presidente no ano passado a um grupo de defesa dos direitos das mulheres.
A lei de estupro baseada em consentimento já existe na Suécia, Alemanha, Espanha, e em vários outros países europeus.