Especialista destaca os principais pontos de atenção na elaboração e manutenção de protocolos de proteção à brasileiras vivendo no exterior
Em 2023, ao menos 1.556 mulheres brasileiras buscaram apoio no exterior ao sofrer violência doméstica e/ou de gênero. Os dados, divulgados pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) disponíveis no Mapa Nacional da Violência de Gênero, revelam um cenário alarmante de dependência e abandono de brasileiras em territórios estrangeiros. O projeto é viabilizado pela Gênero e Número em parceria com o Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV), do Senado Federal e pelo Instituto Avon, agora incorporado pelo Instituto Natura.
Os dados foram coletados em 186 repartições consulares, entre embaixadas com serviços consulares, consulados-gerais, consulados e vice- consulados. Além disso, evidenciam um número significativo de casos envolvendo crianças, como disputas de guarda e subtração de menores. As informações foram disponibilizadas por meio de uma colaboração entre o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Senado Federal.
Especialista em Direito de Família e Sucessões e professora em universidades francesas, a advogada Lívia Possi analisa o cenário apresentado pelo Mapa Nacional da Violência de Gênero e avalia possíveis estratégias de apoio às mulheres brasileiras no exterior.
Leia a entrevista:
Como a violência de gênero e/ou doméstica se manifesta de forma específica contra brasileiras no exterior?
Lívia Possi: Não é incomum que mulheres migrem sem o devido conhecimento e preparo para a nova vida, muitas vezes sem rede de apoio, sem recursos financeiros ou economias, geralmente acompanhando o parceiro. O fato de estarem longe de um ambiente familiar, aliado à barreira da língua, frequentemente as torna extremamente dependentes do companheiro. Essa situação cria condições para que as violências comecem a aparecer – microviolências, verbais, psicológicas, físicas – à medida que o parceiro percebe essa posição de poder.
Manifestações que se sobressaltam nos dados são aquelas que envolvem os filhos, como subtração de menor e disputa de guarda. Por que isso acontece?
Lívia Possi: Em casamentos interculturais, a criança é frequentemente utilizada como instrumento de violência em relação à própria mãe. Não é incomum que as ameaças girem em torno da criança, quando o genitor diz que a mãe pode ir embora, mas que a criança fica; ou, ainda, que ela seria uma péssima mãe de abandonar os filhos e a família. Essa dinâmica invalida os sentimentos dessa mulher.
Nessa situação de absoluta vulnerabilidade, a única saída percebida é voltar para o seu país de origem. Sem a concordância do genitor em relação à mudança de domicílio dos filhos, inicia-se uma disputa de guarda internacional Essa situação é extremamente delicada, uma disputa de guarda é demorada, onerosa, e muito arriscada à saúde emocional dessa mulher e de seus filhos.