Violência em relações homoafetivas: como a Lei Maria da Penha protege mulheres lésbicas

04 de junho, 2025 Eufemea Por Mica Pereira

Em um país onde a violência contra a mulher continua a ser um desafio alarmante, a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, foi um marco importante na proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. No entanto, há uma realidade invisível que ainda persiste: as mulheres lésbicas em relacionamentos abusivos enfrentam barreiras adicionais, como o despreparo institucional e a falta de reconhecimento legal de suas experiências.

De acordo com um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 43,8% das vítimas de violência doméstica na comunidade LGBTQIA+ são mulheres lésbicas. Esses números revelam a urgência de ampliar o debate e reconhecer os abusos dentro de relações homoafetivas.

O que diz a legislação?

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) define violência doméstica e familiar como qualquer ato ou conduta que cause danos físicos, sexuais, psicológicos ou patrimoniais à mulher, seja no ambiente doméstico, no contexto familiar ou em relações íntimas. A legislação prevê medidas como prisão, ordens de proteção e outras sanções aos agressores, cujas penas variam conforme o grau da violência.

O artigo 2º da Lei Maria da Penha assegura a proteção também para mulheres em relacionamentos homoafetivos. O texto garante que toda mulher tem o direito de viver livre de violência, preservando sua saúde física e mental, independentemente de classe social, raça, etnia, orientação sexual ou qualquer outra condição.

“A Lei apenas faz o recorte de gênero, ou seja, quando a vítima é uma mulher em situação de violência, em um contexto doméstico ou familiar, a aplicação da Lei é válida, mesmo que o agressor seja outra mulher”, explica Vanesa Cavalcante, advogada e presidente do Centro de Defesa do Direito da Mulher.

Segundo a advogada, a proteção oferecida pela Lei Maria da Penha é abrangente e deve atingir todas as mulheres, inclusive aquelas que enfrentam violências em relações sáficas. Em uma extensão ainda mais significativa, no dia 24 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a aplicação da lei também se estende às mulheres travestis ou transexuais.

Quando o amor vira violência: o relato de uma vítima anônima

Quando Janaina* conheceu sua ex-parceira, deixou claro desde o início que não queria um relacionamento sério. No entanto, a insistência e persuasão da outra parte foram tão intensas que, em pouco tempo, elas começaram a namorar. De repente, Janaina viu sua rotina ser completamente transformada. A namorada passou a frequentar sua casa todos os dias, mesmo com amigos alertando que aquela proximidade excessiva poderia ser prejudicial.

Desgastada com a rotina, Janaina sugeriu que as duas administrassem melhor o tempo que passavam juntas. A resposta foi negativa e, mais do que isso, foi um dos primeiros sinais de que o relacionamento não era saudável. “Ela começou a dizer que eu estava querendo mantê-la longe, que não a queria na minha casa. Foi aí que começou o caos”, relembra.

Pouco tempo depois, a parceira de Janaina pediu demissão do emprego sem avisá-la previamente, o que fez com que Janaina passasse a arcar sozinha com todas as despesas da casa. Foi também nesse período que começaram a surgir as primeiras mentiras e atitudes controladoras. Janaina passou a ser proibida de manter amizade com pessoas com quem já havia se relacionado, enquanto sua companheira, de maneira contraditória, mantinha contato diário com a ex-namorada.

Com uma sobrecarga psicológica e financeira, Janaina decidiu buscar apoio de amigos e tomou a difícil decisão de terminar o relacionamento. A partir dessa decisão, vieram mais chantagens emocionais. A ex-parceira ia até sua porta de madrugada, ligava insistentemente e até se dopava para mantê-la por perto. “Eu já não tinha forças para continuar por amor. Eu mantinha ela ali perto com medo”, diz, visivelmente abalada.

Entre idas e vindas, a violência atingiu um extremo quando, após uma discussão, a parceira tomou o celular e as chaves da moto de Janaina, deixando-a presa dentro de casa por horas. Mesmo depois desse episódio, por medo, Janaina permaneceu no relacionamento. “Eu só sabia chorar. Estava desesperada com aquela situação, mas depois ela pediu desculpas e eu voltei, para impedir que ela se machucasse”, conta.

Meses depois, com situações semelhantes acontecendo com frequência, Janaina finalmente terminou de vez. No entanto, precisou mudar de residência e até trocar o número do celular. Ainda assim, ela relata que a ex-namorada tentou entrar em contato por meio de amigos em comum e até colegas de trabalho. Janaina procurou ajuda e orientação profissional no Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM), mas optou por não registrar o Boletim de Ocorrência contra a agressora.

Os desafios enfrentados na denúncia

Vanesa destaca que, em casos como o de Janaina, os desafios para romper com o ciclo de violência são os mesmos enfrentados por qualquer mulher. Fatores como o acesso à justiça, a dependência financeira e a falta de informação sobre os direitos das vítimas podem explicar o motivo pelo qual muitas mulheres não conseguem denunciar suas agressoras.

A advogada especialista em violência doméstica, Edâmara Araújo, também aponta o desconhecimento da lei como um fator importante, mas traz à tona outro problema que contribui para a baixa efetivação da denúncia: a lesbofobia institucional. Segundo ela, a falta de uma estrutura adequada para acolher a demanda dessas mulheres frequentemente inibe a busca por assistência.

“Essa forma de discriminação pode perpetuar estereótipos negativos e contribuir para a cultura de silenciamento e invisibilidade das experiências lésbicas na sociedade”, ressalta.

Edâmara reforça que a educação e a conscientização sobre os direitos das mulheres lésbicas são essenciais para combater a violência e incentivar mais vítimas a buscarem ajuda. Para isso, é fundamental a criação de políticas públicas voltadas para a disseminação de informações, a formação de profissionais capacitados e a garantia de acolhimento específico e humanizado.

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