Onde estão os corpos das mulheres negras nos espaços do Poder Judiciário?
A presença de mulheres negras no Poder Judiciário brasileiro é marcada por uma trajetória de resistência e superação de barreiras históricas. Apesar de representarem uma parcela significativa da população, sua participação nos espaços de decisão judicial ainda é limitada. É comum serem vistas na execução dos trabalhos de cuidado, de serviços gerais como na copa, na limpeza e no máximo como recepcionistas. E trata-se de um lugar onde vigora uma normalidade silenciosa de ausências, funcionando como um acordo estrutural moldado pela exclusão de tal perfil.
Essa exclusão tem raízes profundas na história do país. Durante séculos, o sistema escravocrata e o patriarcado institucionalizaram a marginalização dessas mulheres, negando-lhes acesso à educação e à participação política. Mesmo após a abolição da escravidão, em 1888, e a conquista de direitos civis, as mulheres negras continuaram enfrentando obstáculos estruturais que dificultaram sua inserção em carreiras jurídicas.
De acordo com o relatório “Justiça em Números 2024” do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, apenas 1,8% dos magistrados se autodeclaram pretos, e 12,4% pardos, totalizando 14,3% de pessoas negras na magistratura. Entre as mulheres, a sub-representação é ainda mais acentuada: elas constituem 38% da magistratura, sendo que as negras representam apenas 19% desse total. Em cargos de chefia, como desembargadoras, a presença de mulheres negras é de apenas 12,1%.
O racismo estrutural e institucional é apontado como um dos principais fatores que impedem o avanço das mulheres negras no Judiciário. A falta de políticas públicas eficazes, a ausência de representatividade e a reprodução de estereótipos contribuem para a manutenção desse cenário. Além disso, a interseccionalidade entre raça e gênero agrava as desigualdades, colocando as mulheres negras em uma posição de dupla vulnerabilidade.
A autora Bell Hooks, na celebrada obra “e eu não sou uma mulher”, citando Susan Brownmiller, trouxe que a maioria das pessoas tende a ver a desvalorização da mulheridade negra como algo que ocorreu somente no contexto da escravidão. Na verdade, a exploração sexual das mulheres negras continuou por muito tempo depois do fim do período da escravidão e foi institucionalizado por outras práticas opressivas.
Celebra-se o pouco avanço de políticas públicas de inclusão dessa população por medidas como a do CNJ que por força da resolução 203/15, estabelece cotas raciais de 20% para negros em concursos públicos para a magistratura. No entanto, os resultados ainda são tímidos: apenas 3,5% dos juízes que tomaram posse a partir de 2016 ingressaram por meio das cotas. Isso indica a necessidade de medidas adicionais para garantir a efetividade das políticas de ação afirmativa.