(Alberto Pereira Jr, da Folha de S.Paulo) Lei que fixa cota de conteúdo brasileiro na TV paga entra em vigor em setembro; produtoras esperam crescimento de 50% até 2013. Canais fechados fazem investimentos, mas ainda têm dúvidas sobre especificidades da legislação aprovada
Uma semana após a publicação das últimas instruções normativas da Lei 12.485/2011, que fixa diretrizes para a TV paga no Brasil, produtoras independentes comemoram o novo marco regulatório do setor.
Para elas, o estabelecimento de cotas obrigatórias de conteúdo nacional estimulará os negócios, já que ao menos 50% da faixa reservada a obras brasileiras deverão ser preenchidos por trabalhos de empresas independentes.
E parecem vir da dramaturgia, setor forte nas emissoras abertas, as principais novidades que os canais fechados exibirão nos próximos meses.
A BossaNovaFilms, por exemplo, anuncia amanhã a contratação de Kátia Lund, codiretora de “Cidade de Deus” (2002), para seu núcleo de criação de roteiros de ficção, que também recebeu o reforço de Luís Villaça, ex-Globo, autor do script de “Cristina Quer Casar” (2003).
“A demanda já vinha crescendo desde o ano passado, quando a lei foi aprovada”, afirma Denise Gomes, sócia da produtora, que está envolvida em 30 projetos, incluindo duas séries de ficção: uma para o Discovery Channel, outra para o History Channel.
Pedro Buarque de Hollanda, sócio da Conspiração Filmes, viu sua empresa saltar de 19 atrações na TV paga em 2010 para 34 neste ano. Produtoras ouvidas pela reportagem da Folha esperam crescimento dos negócios na ordem de 50%.
Se as produtoras celebram, as diretorias dos canais a cabo se mostram receosas.
“Temos de analisar profundamente todos os itens da nova lei para ter certeza de que o que vamos produzir ou já produzimos conta para as cotas. A quantidade de requisitos a serem checados com advogados e com a Ancine [Agência Nacional do Cinema] é impressionante”, diz Anthony Edward Doyle, vice-presidente regional da Turner International.
A empresa agrega mais de uma dezena de canais, alguns com foco bastante específico, como o Turner Classic Movies e o Tooncast, dedicados a filmes clássicos e a desenhos antigos, respectivamente. “São dois casos que vão demandar atenção e uma dose extra de criatividade”, observa Doyle.
ADIANTADOS
Paulo Franco, vice-presidente sênior de programação e conteúdo da Fox International Channels Brasil, afirma que a empresa já vinha trabalhando com produtoras nacionais independentes antes da sanção da lei.
O mesmo vale para os canais Discovery. “A relação da Discovery com as produtoras brasileiras existe desde 1999”, diz Fernando Medin, presidente da Discovery Networks no Brasil.
Procurada, a Globosat (dona de canais como Multishow, Viva, Universal e GNT) informou, por meio de sua assessoria de imprensa, estar estudando as novas regras. Disse que não se manifestará até completar o diagnóstico dos possíveis impactos da legislação.
Com a nova lei e o aumento de arrecadação da Condecine (imposto sobre royalties da TV paga), o Fundo Setorial do Audiovisual engordou seu caixa e já oferece R$ 519 milhões para investimentos em produções de TV neste ano.
Roberto d’Avila, da Moonshot, é reticente quanto à agilidade do governo na liberação dessas verbas. “Há uma grande burocracia.”
‘Nova lei fará indústria ser mais forte’, diz Meirelles
Fernando Meirelles, sócio da O2 Filmes, uma das maiores produtoras independentes do país, se mostra entusiasmado com a nova lei da TV paga. Leia trechos de sua entrevista à Folha.(APJ)
Folha – A demanda por conteúdo nacional já aumentou com a nova lei da TV paga?
Fernando Meirelles – No ato e imediatamente [risos]. Tivemos solicitações de praticamente todos os canais a cabo. Mandamos e-mail para todos os colaboradores da casa. De 54 projetos que vieram deles, selecionamos 32 e apresentamos para algumas emissoras na virada do ano.
Era necessária a criação da lei para fomentar o mercado?
Certamente. A maioria das emissoras de TV a cabo é filial de matrizes americanas. Para elas, é mais conveniente pegar um produto que é bom e está pronto, dublar ou legendar e exibir sem custo.
O que muda com a lei?
As TVs são obrigadas a usar parte do seu faturamento em produção local. Essa lei vai ter o mesmo impacto que a Lei do Audiovisual [criada em 1993] teve no cinema. O Brasil fazia seis filmes por ano, veio a nova regra e, só em 2011, fizemos 105 longas. Foi a década de montagem da indústria. Não tenho dúvida de que, com a nova lei da TV paga, em dez anos vamos ter uma geração de programas muito mais forte.
Como os diretores de canais a cabo reagiram?
Conversei com alguns executivos. É claro que teve um momento de reclamação, mas todos estão confiantes e, acho eu, muito mais estimulados a produzir.
O público quer ver os artistas brasileiros na TV paga?
Sim, mas não só isso. Tem o interesse de ver o próprio país. As maiores audiências da TV a cabo são de programas brasileiros. É uma situação boa para todo mundo: incentiva o mercado, cria cultura e a produção e as TVs ganham mais audiência.
Leia a íntegra da entrevista com Meirelles: folha.com/no1101792
Veja também:
Acesse em pdf:
Ficção nacional puxa fila dos novos projetos (Folha de S.Paulo – 10/06/2012)
‘Nova lei fará indústria ser mais forte’, diz Meirelles (Folha de S.Paulo – 10/06/2012)