(O Estado de S. Paulo) O Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, um dos dez Comitês de Direitos Humanos da ONU, completa 30 anos desde a realização de sua primeira sessão. Ao longo desse tempo, esse organismo, formado por 23 experts independentes, contribuiu para promover e garantir, individualmente ou em grupo, os direitos das mulheres nos 187 Estados Partes que ratificaram a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw Convention, sigla em inglês).
A convenção, que vigora desde 1981, representa o mais importante instrumento internacional legalmente vinculante para garantir os direitos humanos das mulheres, consagrando a necessidade de eliminar todas as formas de discriminação contra elas como meio de garantir o pleno exercício de seus direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. A principal tarefa do comitê é monitorar a implementação da convenção no âmbito dos Estados Partes que a ratificaram. E faz isso a partir de rigorosa análise dos relatórios preparados pelos Estados, com a elaboração de observações finais cuja adoção é obrigatória em cada um deles. Ao fim do processo, as “observações finais” são publicadas pelo comitê.
Outra atividade relevante do comitê tem que ver com a elaboração de Recomendações Gerais, cujo objetivo tem sido promover o entendimento de conteúdos específicos da convenção. Um dos mais emblemáticos exemplos desse procedimento é a Recomendação Geral n.º 19, que trata da violência contra as mulheres, introduzindo o conceito de “formas intersectas de discriminação” das quais elas podem ser vítimas.
O comitê já elaborou 28 Recomendações Gerais e se encontra atualmente em processo de elaboração de outras seis, abordando temáticas atualíssimas, como 1) dissolução do casamento e suas consequências econômicas, 2) práticas danosas, 3) direitos humanos das mulheres em situações de conflito e pós-conflito, 4) acesso à Justiça, 5) mulheres que residem em áreas rurais e 6) igualdade de gênero para as apátridas, as que buscam asilo político e as que foram vulnerabilizadas por desastres naturais. Há, no presente momento, forte preocupação do comitê no sentido de reforçar os direitos das mulheres nos Estados Partes mais afetados pela crise financeira internacional, pois elas muitas vezes têm seus direitos mais básicos (propriedade, emprego, etc.) simplesmente tolhidos da ordem social nestes tempos difíceis.
Como se percebe, são muitos os desafios enfrentados pelo comitê. E não por outra razão procura manter uma relação sólida com os Estados Partes, para assegurar que adotem as necessárias medidas executivas, legislativas e judiciárias de proteção dos direitos das mulheres. Nesse mister o comitê conta com o apoio do próprio sistema da ONU e de inúmeras entidades não governamentais (ONGs) que, por terem vínculos estreitos com a sociedade civil, narram a ele questões de direito saídas da realidade dos Estados Partes, além de prepararem relatórios alternativos para sua apreciação. Cabe ainda destacar o apoio de instituições nacionais de direitos humanos e de indivíduos.
Apenas para ressaltar a especial importância da colaboração das ONGs na tomada de decisões do comitê, vale narrar que há pouquíssimo tempo uma delas reportou caso de discriminação ocorrido na Jordânia, onde mulheres haviam sido proibidas de transferir sua nacionalidade aos filhos. Nesse caso específico, o comitê considerou essa contribuição relevante a ponto de influir na avaliação geral desse Estado Parte.
As ONGs também já contribuíram para que o comitê apurasse fatos específicos por meio de inquéritos. Isso ocorreu no México, por exemplo, após a alegação de ocorrência de abusos, estupros e assassinatos de mais de 200 mulheres, com fortes indícios de veracidade. Ao final da fase de apuração, o relato das ONGs foi confirmado e influiu de maneira decisiva no rol de observações feitas a esse país.
Cumpre também destacar a força crescente da jurisprudência elaborada pelo comitê. Isso porque diversas decisões proferidas por cortes e tribunais regionais e nacionais têm sido guiadas pelos entendimentos dele.
A jurisprudência do comitê é produzida principalmente pelas decisões tomadas sob a égide do “Protocolo Opcional” à convenção. Esse instrumento, vigente desde 22/12/2000, permite que indivíduos dos Estados Partes denunciem supostas violações aos termos da convenção, por meio de petições individuais. Podemos mencionar um caso marcante de denúncia feita com fundamento no “Protocolo Opcional”, ocorrido nas Filipinas. Nesse caso específico, ao ter a queixa de estupro declinada em decorrência de interpretação sexista e discriminatória dos agentes envolvidos, uma mulher passou a ser reconhecida pelo comitê como vítima de estereótipo negativo de gênero.
Inobstante todos os esforços despendidos pelo comitê, é importante salientar que a convenção, apesar de garantir o adequado rol de direitos das mulheres no âmbito dos Estados Partes, não pode, por si só, transformar a vida delas. Assim, tem-se que o comprometimento dos Estados Partes e um engajamento cada vez maior das ONGs, de instituições nacionais e internacionais de direitos humanos e de indivíduos são fundamentais para que os termos da convenção sejam, de fato, implementados.
Espera-se com isso que, num futuro não tão distante, o comitê tenha difundido intensamente a convenção, por meio das “observações finais” que encaminha aos Estados Partes, da jurisprudência que cria e das Recomendações Gerais que elabora. Isso porque a discriminação contra as mulheres só pode ser encarada como uma inaceitável negação dos direitos humanos, perpetuando realidades que beiram o inexplicável neste mundo que tanto tem avançado em outros campos da experiência humana.
Acesse em pdf: Os 30 anos do Comitê Cedaw, por Silvia Pimentel, Adriana S. Gregorut e Luiza G. Jungmann (O Estado de S. Paulo – 21/07/2012)