(Folha de S.Paulo) O parto domiciliar deve ser proibido? NÃO
Desmedicalizar a saúde e desospitalizar a doença. Foram esses alguns dos muitos princípios que aprendi ao longo de meu curso médico, da minha atuação em consultório e em hospitais e, mais tarde, no intenso convívio com figuras ímpares em nossa atividade.
Há 47 anos dirijo um hospital geral no qual, por muitos anos, havia uma maternidade. Convivi com colegas importantes e representativos da obstetrícia, com um intenso movimento de internação.
Havia, entre eles, diferenças de posturas e de estatísticas, como no tempo de internação ou da utilização da sala cirúrgica, fosse por parto normal, fosse por uma operação cesariana. A seu lado, acompanhando as suas pacientes, estavam parteiras que se revezavam e ministravam cuidados pré e pós-parto.
Elas, muitas vezes por impedimento do médico, faziam o parto de suas clientes. O sucesso de sua atuação e a satisfação pelo seu atendimento era uma unanimidade.
O parto –e é importante que isso seja reconhecido– não é um evento da medicina, é um evento da vida.
Ele só passa a ser objeto da ação médica quando sua evolução aponta ou demonstra uma dificuldade ou uma anormalidade. E isso costuma ser detectado através de um bom acompanhamento pré-natal.
Essa é a principal conscientização que deveria ser feita por aqueles que têm a missão de velar pela boa medicina. Como também em relação ao índice absurdo de operações cesarianas, em que o Brasil é um dos campeões mundiais. Em nosso país, o índice está em quase 50%. Na saúde privada, ronda os absurdos 80%. Essa é a grande distorção que hoje vive a nossa obstetrícia.
Um documento do Ministério da Saúde de 2010 diz que “o parto e o nascimento domiciliar assistidos por parteiras tradicionais inserem-se no contexto das ações básicas de saúde”. Em países de reconhecida qualidade de atendimento médico como Japão, Inglaterra, Suécia, Itália, França, Alemanha, EUA, Nova Zelândia, Austrália e Áustria há movimentos pela desospitalização do parto.
Neste mesmo documento, há esta citação: “A hospitalização e o maior domínio das técnicas ampliaram as possibilidades de intervenção, tendo como um de seus resultados o progressivo aumento de cesarianas desnecessárias, aumentando os riscos à saúde para mulheres e bebês e implicando em elevação de custos para o sistema de saúde”.
Uma publicação da Organização Mundial de Saúde, “Having a Baby in Europe”, diz que nunca foi provado que hospitais são locais mais seguros do que o domicílio para uma mulher que desenvolve uma gestação sem complicações. Diz ainda que estudos de partos domiciliares programados, em países desenvolvidos, mostram que as taxas de complicações e morte para mãe e filho são iguais ou melhores que as dos hospitais nos casos semelhantes.
E então? Vale mais a resolução 265 de 2012 do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), que proíbe médicos de assistirem partos domiciliares e a presença de parteiras nos partos hospitalares, ou o exposto por entidades como o Ministério da Saúde e a Organização Mundial de Saúde? Ou simplesmente nosso bom senso?
Luiz Roberto Londres é médico e mestre em filosofia pela PUC-RJ, é presidente da Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro
Acesse o pdf: O parto não é um evento da medicina (Folha de S.Paulo – 11/08/2012)
Leia em pdf: O risco das complicações inesperadas, por Márcia Rosa de Araújo