(O Estado de S. Paulo) “Tem saias na plateia? ” É com essa pergunta que a diretora jurídica da GE Brasil, Josie Jardim, costuma identificar suas companheiras nos eventos em que é convidada a participar em várias cidades do País. Boa parte da audiência pode ficar sem entender, mas as “saias” prontamente – e orgulhosamente – levantam a mão. Elas fazem parte do “Jurídico de Saias”, rede de advogadas criada por Josie há quase quatro anos e que já conta com mais de 900 integrantes. “No início, éramos um grupo de apenas 14 diretoras jurídicas. Hoje, já não dá para conhecer todas elas. Muitas são apenas seres virtuais, só nos conhecemos pelo blog”, diz Josie.
A advogada decidiu criar a rede depois de participar de uma reunião jurídica nos Estados Unidos, em que um dos temas abordados foi o número de mulheres no mundo dos escritórios. “Isso não era uma questão no Brasil. Diante disso, comecei a pensar em criar uma rede informal para debater a carreira”, explica Josie. No blog, o grupo promove discussões sobre alterações na legislação e partilha currículos, informações sobre vagas e artigos jurídicos.
Periodicamente, a rede também chama convidados das mais diversas áreas para dar palestras: de especialistas em educação financeira a headhunters que fazem recolocação de profissionais. “Já tivemos até Glorinha Kalil para falar de etiqueta, minha filha!”, diverte-se Josie. Em geral, são cafés da manhã – “happy-hour só funciona para homem”, garante.
Segundo a diretora jurídica da GE, o grupo é um ambiente a salvo, fechado, onde as integrantes tiram dúvidas e trocam experiências. Para entrar, é preciso trabalhar na área jurídica de empresas e assinar um termo de confidencialidade. Advogadas de escritórios não podem fazer parte para não haver conflitos de interesse. Além de São Paulo, onde foi fundado, o grupo conta com subdivisões no Rio, Paraná e Rio Grande do Sul.
Para Juliana Müller, diretora jurídica da Accenture e sócia fundadora do Jurídico de Saias, o ponto alto do grupo é o networking. “Porque dele decorre a troca de conhecimentos e de informações”, explica. Segundo ela, o contato com o grupo teve um papel fundamental na sua preparação para assumir uma nova função na empresa. “Saí da área de contratos para a de compliance. Tinha dúvidas e aprendi muito com o grupo, especialmente em uma palestra que tivemos sobre o tema, muito em voga nas multinacionais.”
Renata Garrido, diretora jurídica e de relações governamentais da P&G Brasil, diz que recorreu à rede para organizar eventos para executivos estrangeiros da multinacional em visita ao País. “Neste ano, quando Deborah Majoras, diretora jurídica mundial da P&G veio ao País, chamei outras saias para dar uma visão mais ampla da situação jurídica brasileira”, explica.
Midas. A organização em rede não é exclusividade das advogadas. Em 2008, após retornar ao Brasil depois de trinta anos morando no exterior, Flávia Sekler, então diretora de relações externas da Embraer, decidiu mandar um e-mail para algumas amigas propondo a criação de um grupo que tivesse um interesse comum: as relações governamentais. “Eu vinha de Washington, uma cidade focada em redes. Tem grupo de mães na escola, de pessoas que leram o mesmo livro, confrarias de amantes de vinhos…”, diz Flávia, hoje diretora de comunicação da fabricante de aviões. “Quando cheguei aqui, senti a necessidade de criar minha rede.”
O e-mail despretensioso deu origem a uma rede de “afinidade” batizada de Midas (Mulheres Internacionais Dinâmicas e Articuladas Sempre). O grupo reúne de presidentes de companhias a profissionais em início de carreira. Para entrar, a novata precisa ser convidada e a única restrição é não estar no governo. GE, Boeing, Apple, Braskem, Alston, Diageo e Standard&Poors são algumas das companhias que têm representantes do Midas entre os funcionários.
Com 70 integrantes, a rede também costuma promover palestras. Entre os convidados, já estiveram Maurício Botelho, ex-presidente da Embraer, o ex-embaixador Rubens Ricupero e a ex-ministra da Indústria e Comércio e atual secretária de desenvolvimento de Minas Gerais, Dorothéa Werneck. “Mantemos um diálogo construtivo, que vai de grandes temas ao compartilhamento de experiências pessoais”, diz Adriana Machado, presidente da GE Brasil, uma das fundadoras do grupo.
Criado em São Paulo, o Midas já chegou a Brasília, Rio e até Washington. Na capital paulista, as reuniões costumam ser mensais, muitas delas nos auditórios das empresas. Mas as integrantes mantêm ainda um contato diário por meio de um grupo fechado no Facebook.
“Faço parte de vários grupos, mas o Midas tem um diferencial: não é estritamente profissional, é também uma rede de amizades”, explica Donna Hrinak, presidente da Boeing no Brasil e integrante assídua do grupo. Segundo a executiva, o perfil das reuniões espelha as duas “caras” da organização. “Ao lado de uma agenda de discussões, temos encontros como a nossa festa de fim de ano, onde vamos ter até um white elephant”, diz Donna, referindo-se a um jogo de troca de presentes, em que cada um leva algo que tem em casa para presentear.
Novas lideranças. Para Carlos Eduardo Altona, sócio da Exec, consultoria especializada no recrutamento e desenvolvimento de executivos, a maior contribuição de grupos como esses é a preparação de novas lideranças. “Ninguém melhor do que mulheres que chegaram a posições de comando para fomentar e preparar as novas lideranças”, explica Altona.
Embora tenham avançado no mercado de trabalho nos últimos anos, as mulheres ainda enfrentam muita dificuldade para assumir postos de comando. “Por minha experiência nestes anos, posso afirmar com absoluta certeza que há uma maioria feminina nos departamentos jurídicos das empresas, mas não posso garantir que o número 1 desses departamentos são mulheres”, diz Josie, fundadora do Jurídico de Saias. Se depender da organização das mulheres, isso é só uma questão de tempo.
Inspiração
Adriana Machado, presidente da GE Brasil, é uma das integrantes mais ativas do Midas, rede de relacionamento de mulheres da área de relações governamentais. A executiva é a primeira mulher a assumir a presidência da multinacional americana no País.
Nas redes sociais
É um grupo fechado no Facebook que garante o contato diário das integrantes do Midas. Segundo Patrícia Epperlein, presidente da consultoria Mariaca, as redes sociais ajudaram a intensificar as discussões de carreira. “Mas são poucos os grupos que conseguem manter o nível do debate”, diz Patrícia.
Combinação
Donna Hrinak, presidente da Boeing Brasil, participa de diversas redes, mas diz que o Midas tem um claro diferencial: combinar a oportunidade de desenvolvimento profissional à criação de amizades. “Lá, nada é burocrático”, diz a executiva.
Acesee em pdf: Organizadas em redes (O Estado de S. Paulo – 10/12/2012)