(Folha de S.Paulo) Atraídas pelo discurso do dinheiro fácil e promessas de uma vida melhor, pessoas são tiradas das periferias do Brasil e levadas para outros países para serem submetidas à prostituição, ao trabalho escravo ou transformadas em fornecedoras de órgãos para transplantes. A sociedade desperta agora para o problema, sensibilizada pela ficção da telenovela. Mas o Ministério Público Federal (MPF) há tempos volta seus esforços ao combate a esse crime.
O tráfico de pessoas suprime o direito de liberdade e de locomoção do indivíduo traficado. E é uma ofensa à dignidade e à autonomia definidoras da própria condição humana.
As vítimas são sempre obrigadas a suportar condições de vida e trabalho capazes de destruir sua integridade física e psicológica. São submetidas a ameaças e a diferentes tipos de tortura e maus tratos.
As quadrilhas que comandam o tráfico de pessoas só perdem em lucratividade para as de tráfico de drogas e de armas. A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que a máfia de pessoas movimente por ano mais de US$ 30 bilhões no mundo e que cerca de 10% desse dinheiro passe pelo nosso país. Estima-se que cheguem a 70 mil os brasileiros levados para o exterior por traficantes, segundo dados da Polícia Federal.
Nos últimos anos, no entanto, o Brasil tem impulsionado ações para a prevenção, repressão e punição ao tráfico de seres humanos, por meio de instituições como o MPF, a Secretaria Nacional de Justiça e a Polícia Federal.
O MPF participou da elaboração do Plano Nacional de Enfrentamento ao tráfico humano e tem discutido o assunto na Associação Iberoamericana de Ministérios Públicos.
Desde 2005, atuou em mais de mil processos judiciais relacionados ao tema, que ganha cada vez mais interesse desde que o Brasil ratificou o Protocolo de Palermo, que trata do crime organizado transnacional, incluído o tráfico de pessoas.
O MPF atua em duas frentes: a repressiva, que consiste na atuação criminal, e a preventiva, que trata do acolhimento às vítimas e de ajudar na elaboração de políticas públicas.
Na atuação criminal, os desafios incluem a dificuldade de testemunhos, a legislação ainda pouco adequada à dogmática internacional, o aspecto do crime, que exige cooperação internacional, e o tratamento dado pelo Estado às vítimas.
A exemplo de outros segmentos do tráfico, é relevante que o sistema jurisdicional foque no confisco dos bens dos traficantes.
É importante a intensificação da busca pelo sufocamento financeiro, impedindo que o criminoso usufrua do produto da prática delitiva. Além disso, pode-se ter uma noção do valor que esses grupos criminosos movimentam à medida que seu patrimônio é destituído, um indicador importante para seu combate.
Vem juntar-se a esta batalha o Congresso Nacional, onde a Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico de Pessoas, na Câmara, pretende propor mudanças na legislação.
A comissão, que deve se encerrar em maio, intenta que o tráfico de pessoas seja tipificado no Código Penal, o que não ocorre hoje. Atualmente, o código praticamente só dá a denominação de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual de mulheres.
O crescimento econômico atual oferece ao Brasil uma oportunidade única de investimentos em políticas públicas e atenção aos segmentos sociais mais vulneráveis, de modo a reverter graves violações a direitos humanos e fundamentais.
Para isso, é necessário um esforço coletivo e democrático entre todos os atores que atuam direta ou indiretamente no combate a este crime perverso, que só assim deixará de assolar nosso país.
RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, 56, subprocurador-geral da República, é candidato ao cargo de procurador-geral da República
Acesse em pdf: Um crime perverso, por Rodrigo Janot Monteiro de Barros (Folha de S.Paulo – 24/04/2013)