(Folha de S.Paulo) Manifestamos nossa preocupação com os recentes vetos do Palácio do Planalto e do Ministério da Saúde a campanhas e material educativo escolar cujo objetivo era a prevenção da Aids entre jovens, homossexuais e profissionais do sexo.
A experiência global demonstra que, quando as ações de prevenção da Aids não foram baseadas nos princípios dos direitos humanos, na fundamentação e na evidência científica, na garantia do acesso universal à saúde e na priorização dos segmentos sociais mais atingidos, a epidemia cresceu, um número maior de pessoas morreu e os custos do sistema de saúde aumentaram.
É um engano achar que a epidemia de Aids no Brasil é causada somente pela circulação de um vírus e que bastam informações corretas para que todos adotem as medidas de prevenção. É mais complexo.
Já na década de 1980, a Organização Mundial de Saúde alertava que o preconceito, a discriminação e as desigualdades sociais eram as principais causas do alastramento da doença. São eles que impedem mulheres de negociar livremente o uso de preservativo com seus parceiros, os jovens homossexuais de exercer sua sexualidade de forma segura e as prostitutas de enfrentar as situações de violência e de exploração que as expõem com maior intensidade à infecção pelo HIV.
Foi com base nesse entendimento, na capacidade de estabelecer diálogos francos com todos os setores da sociedade e na adoção incondicionada do princípio constitucional da laicidade que a política brasileira de Aids avançou nos últimos 30 anos.
E não foram poucas as conquistas. Há mais de 20 anos, as primeiras campanhas sobre o preservativo foram assistidas pelas famílias brasileiras no horário nobre, as primeiras seringas foram distribuídas por profissionais de saúde aos usuários de drogas injetáveis e as primeiras aulas sobre sexualidade e Aids foram ministradas em escolas de ensino fundamental.
Todavia, a diretriz adotada nos últimos anos aponta para uma mudança perigosa de caminho. Abre-se a possibilidade real de termos um agravamento da epidemia no país. A censura à campanha voltada para jovens homossexuais no Carnaval de 2012 deixou de abordar o segmento social mais atingido pela doença no Brasil.
A proibição do uso de material educativo escolar cientificamente fundamentado e endossado pela Unesco e Unaids, no início de 2013, poderá contribuir para criar uma geração inábil para lidar com a Aids e a prevenção da doença.
A recente censura à campanha dirigida para prostitutas deixa no limbo um grupo que representa entre 10% e 15% das mulheres infectadas pelo HIV no país. E isso ocorre no momento em que a Aids mostra claros sinais de que volta a crescer no país.
Diante disso, o Ministério da Saúde deverá decidir de que lado estará. Um programa de Aids influenciado por um lobby conservador e interesses políticos terá pouca chance de sucesso e representará uma ruptura com as experiências bem sucedidas que a sociedade brasileira, ao longo dos anos, contribuiu para consolidar.