(O Tempo) O papa Francisco, num mesmo dia, 20 de setembro, apareceu na grande imprensa mundial falando para plateias diferentes, emitindo opiniões aparentemente díspares sobre os direitos reprodutivos. Há quem diga que ele está entre a cruz e a espada, pois deseja avançar, mas poderosas forças retrógradas do catolicismo romano não permitem. Para outros, ele está se tornando exímio em agradar a plateias: diz o que cada uma quer ouvir. E assim as águas vão rolando, turbulentamente, na Santa Sé.
Leia também: A doutrina Francisco, editorial da ‘Folha de S.Paulo’
Em 20 de setembro de 2013, o papa Francisco recebeu os participantes do 10º Encontro da Federação Internacional das Associações Médicas Católicas, cujo eixo foi “Catolicismo e cuidados maternos”. Enfatizou a defesa da vida: “Em cada criança não nascida, mas condenada injustamente a ser abortada, está o rosto de Jesus, tem o rosto do Senhor, que ainda antes de nascer e depois, logo que nasce, experimenta a rejeição do mundo. E cada idoso – falei da criança: vamos agora aos idosos –, mesmo que doente ou nos fins dos seus dias, tem em si o rosto de Cristo. Não se podem deitar fora!”. E exortou aos médicos católicos que sejam “testemunhas e difusores da ‘cultura da vida’” (Rádio Vaticano).
No mesmo dia, Philip Pullella, da Reuters, publicou, sob o título “Papa critica obsessão da Igreja com gays, aborto e contracepção”, informações de que o papa concedeu uma “longa entrevista ao padre jesuíta Antonio Spadaro, diretor da revista “Civiltà Cattolica”, e disse que a Igreja precisa encontrar um novo equilíbrio entre a preservação das regras e o exercício da misericórdia. ‘Do contrário, até o edifício moral da Igreja deve cair como um castelo de cartas’”.
Acrescentou ainda que a Igreja se fechou em coisas pequenas, em regras tacanhas e na avidez de condenar os outros. E foi taxativo ao dizer na entrevista mencionada que: “Nós não podemos insistir somente sobre questões relacionadas ao aborto, casamento gay e uso de métodos contraceptivos. Isso não é possível. Eu não falei muito sobre essas coisas e fui repreendido por isso”.
Embora o papa não tenha citado uma “perspectiva de uma mudança iminente nos ensinamentos morais”, falou a respeito das críticas recebidas do meio conservador católico por ter dito que não poderia recriminar homossexuais que tenham boa vontade e que busquem Deus e que não é possível interferir espiritualmente na vida de uma pessoa.
O diretor do grupo liberal Fé na Vida Pública, John Gehring, declarou: “Este papa está resgatando a Igreja daqueles que pensam que condenar gays e se opor à contracepção define o que significa ser católico real”. O bispo Thomas J. Tobin, de Providence, Rhode Island, falou em nome de muitos católicos conservadores quando disse que estava desapontado com o fato de que o papa não tinha abordado o ‘mal do aborto’ mais diretamente para encorajar ativistas antiaborto”.
Para muitos, a perplexidade é a tônica, ao mesmo tempo em que indagam: aonde o papa quer ir e para onde ele vai? Ou o papa não vai sair do fundamentalismo e o catolicismo continuará satanizando os direitos reprodutivos (mulheres) e os direitos sexuais de gays e lésbicas?
Eu, particularmente, não “boto fé” em mudanças nas “regras morais” da Igreja Católica. Basta lembrar o Manual de Bioética para Jovens, divulgado por ocasião da última Jornada Mundial da Juventude (Rio de Janeiro, 23 a 28 de julho, 2013), que nada tem a ver com a ética da vida; é tão somente uma compilação do que há de mais pantanoso do fundamentalismo católico romano.
Fátima Oliveira é médica e colunista de O Tempo (MG)
Leia em pdf: O papa e os direitos reprodutivos: entre a cruz e a espada?, por Fátima Oliveira (O Tempo – 24/09/2013)