(Blog do Lino / Carta Capital) “hoje de tarde dou um jeito nisso. não vou ser mais estorvo pra ninguém”. Após escrever e postar esta frase no Twitter a estudante Giana Laura Fabi, de 16 anos, se matou. Segundo sua família, a adolescente de Veranópolis se enforcou em casa na quinta-feira passada, com um cordão de seda.
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Ainda segundo a família, o suicídio da garota teria sido motivado pelo vazamento de uma foto sua mostrando os seios. Nesta quarta-feira o delegado da cidade gaúcha a 176 km de Porto Alegre ouviu um rapaz de 17 anos que confirmou ter dado um printscreen (comando pelo qual vc “fotografa” a tela de seu computador) e enviado a foto de Giana para alguns amigos. Daí, a imagem correu a rede, causando o “estorvo” a que a menina se referia, e que ela decidiu resolver dando fim à própria vida.
Quatro dias antes, Julia Rebeca, estudante piauiense de 17 anos, havia se matado por motivo semelhante. Também se enforcou, mas com um fio elétrico. Não suportou o que sofreu após um vídeo em que aparecia fazendo sexo vazar na internet. E igualmente despediu-se pelo Twitter:
“É daqui a pouco que tudo acaba. Eu te amo. Desculpe n ser a filha perfeita, mas eu tentei… desculpa desculpa eu te amo muito. Eu to com medo mas acho que é tchau pra sempre”
Outros casos parecidos não terminaram em morte, mas levaram à destruição da vida da pessoa, como aconteceu no mês passado com Fran, a garota de Goiânia que também teve um vídeo íntimo vazado na internet –leia mais sobre este caso neste texto de Nádia Lapa.
Em comum entre esses e tantos outros casos, o fato do alvo ser sempre uma mulher, em geral bem jovem, e vítimas de pessoas que conheciam bem, e com quem se relacionavam de alguma forma. A pessoa que vaza a foto ou vídeo é invariavelmente um homem, e participava de alguma forma do ato. Em comum, ainda, o fato de todo julgamento moral sobrar para a mulher, e ela sofrer tanto que em alguns casos sequer encontra forçar para seguir vivendo. O homem, em geral, não apenas segue sua vida e não é punido, como ainda ganha fala de “pegador”.
Grêmio e Avril Lavigne
Incomodado com o suicídio de Giana (ou Giih, apelido que adotara nas redes sociais), passei por seus perfis. Está tudo aberto e ativo: Twitter, Facebook, Instagram, AskMe etc. Um memorial virtual detalhado e um tanto chocante. Em uma análise mais objetiva, percebe-se que não há nada de mais em sua rede ou na de seus colegas, pelas quais também dei uma passeada. Encontrei apenas as mesmas coisas que em geral fazem ou fizeram parte do cotidiano de qualquer adolescente, seja eu, você, a Fran ou sua filha ou filho. Giih gostava muito do time do Grêmio e da cantora Avril Lavigne, relacionava-se com garotos e garotas de sua idade e trocava com os amigos centenas de mensagens “bobas” –para nós, adultos. Nas fotos, mais do básico: poses com as amigas do colégio, com familiares, mostrando o look antes de sair, do cachorro, de garotos de sua idade, artistas etc.
A adolescente de Veranópolis nem de longe parecia a depravada que aparentemente se tornou na onda de bullying à sua volta. E mesmo que fosse “depravada” para os padrões morais cristãos que infelizmente regem nossa sociedade, nada justifica o que aconteceu. Nada justifica seu sofrimento, sua morte e o que sua família está sofrendo.
E aí caro leitor e cara leitora, me desculpe, mas a culpa é de todos nós. Minha e sua inclusive.
Estou longe de ser uma pessoa moralista. Acho legítima e defendo qualquer forma de interação amorosa ou sexual, desde que consentida entre as partes. Defendo a pornografia –de novo, desde que consentida e entre adultos. E considero brincadeiras e fantasias eróticas absolutamente saudáveis.
Vivemos numa sociedade que cobra a cada instante que você tenha sucesso. E, no caso das mulheres, por sucesso entenda-se uma cruel e impossível equação na qual você tem que ser magra, bonita e gostosa mas, por outro lado, não pode ser “fácil”, tem que “se dar o respeito”. Tem que ser bem sucedida profissionalmente. E tem que assistir o exemplo de uma mocinha da novela das oito que, aos 17 anos, usa shorts minúsculos e rebola para milhões de pessoas toda noite mas, fora das telas, assume o papel de futura esposa respeitosa do namorado jogador de futebol famoso. Sai a novela e vem a publicidade: uma moçoila curvilínea e insinuante atrás da outra. E tem mais: tem que ser mãe dedicada, mas não pode ter barriguinha pós-gravidez. E, por favor, mantenha-se sempre uma amante fervorosa, “uma dama na sociedade e uma puta na cama”. E segue uma enorme lista de “tem ques” inconciliáveis com a vida real.
Quase a totalidade da TV mundial bombardeia as adolescentes com esses valores inatingíveis (e machistas pacas) e, fechando o ciclo, a internet está aí no celular e no laptop do quarto de cada uma dessas milhões de meninas, convidando-as a se expor de uma forma cada dia mais fácil, com argumentos cada dia mais sedutores.
E se para mulheres adultas já é difícil encarar essa barra, imagine a dificuldade para uma menina de 16 anos passar incólume ao largo desse oceano de cobranças e estímulos e seguir “pura” até o altar… Para piorar, ainda há o estigma de “fora de moda” que ronda o feminismo. Tá duro equilibrar esse jogo.
E, claro, todos os que as cobram, nunca entraram num site pornô. E poriam a mão no fogo por sua filha, irmã, mãe, amiga, vizinha, prima ou namorada. Não, ela não é “uma dessas”. Não é feita da mesma carne das Frans, Gis e Julias da vida.
O mínimo que temos a fazer é parar de ser hipócritas. Não resolve tudo, mas já seria um bom primeiro passo para paramos de matar nossas meninas.
Acesse o PDF: Nudez na internet: Quem é culpado pelo suicídio da garota de Veranópolis? (Blog do Lino / Carta Capital, 21/11/2013)