05/02/2014 – Editorial da Folha de S.Paulo sobre o beijo gay

05 de fevereiro, 2014

(Folha de S.Paulo) Ao exibir no capítulo final da novela “Amor à Vida” um beijo amoroso entre dois personagens masculinos, a TV Globo atendeu a uma demanda que se intensificava nos últimos anos.

Em que pese a presença regular da temática gay na teledramaturgia nacional, levantava-se a reivindicação de um ato que selasse de maneira convencional o amor entre pessoas do mesmo sexo.

Este ato, segundo as convenções do gênero, é o beijo. Nada mais clássico, com efeito, do que as cenas finais em que galãs e heroínas longamente tocam seus lábios em sinal de união afetiva.

Consumado, o ósculo gay cumpriu seu papel de atrair audiência, provocar polêmicas e reverberar na mídia. Criticado por alguns, foi festejado por homossexuais, em alguns casos como se representasse a redenção da minoria discriminada.

A exultação decorre da hipertrofia midiática: as novelas infiltram-se de tal maneira no cotidiano da população que não raro se confundem com a realidade.

Não há dúvida de que a telenovela pode servir como termômetro moral e comportamental de um determinado momento da sociedade. Se isso é verdade, o beijo entre pessoas do mesmo sexo passa a fazer parte de um repertório socialmente aceito. Talvez seja a chancela que faltava a um movimento crescente nas últimas décadas.

É forçoso reconhecer e lamentar, no entanto, que a homofobia, em parte como reação aos avanços, ainda resiste. Enquanto se discutia o final da novela, a polícia investigava mais um caso de agressão a homossexuais ocorrido na região da rua Augusta, no centro de São Paulo.

Ninguém é obrigado a ter simpatia por gays ou gostar de ver dois homens ou duas mulheres se beijando. Daí não se segue, contudo, que seja aceitável a repulsa agressiva à homossexualidade.

Oscila-se, no Brasil, entre a atmosfera de tolerância –e até de celebração– e a rejeição violenta. A Constituição veta a discriminação por raça, sexo ou religião. Os preconceitos, porém, sobrevivem, enraizados em situações históricas e culturais.

Não se muda um país de uma hora para a outra –ou com um capítulo de telenovela. Mas, com todos os limites, o Brasil talvez venha a se tornar menos intolerante depois daquele beijo.

Acesse o PDF: Editorial da Folha de S.Paulo sobre o beijo gay (Folha de S.Paulo – 05/02/2014)    

 

 

 

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