09/02/2014 – Católicos são mais liberais do que a Igreja sobre aborto e contracepção

09 de fevereiro, 2014

(O Globo) No Brasil, 81% admitem o aborto em alguns ou todos os casos

Em seus primeiros 11 meses à frente do Vaticano, o Papa Francisco revitalizou a imagem da Igreja Católica, mas as doutrinas que servem como pilares da religião ainda são questionadas, e de formas radicalmente diferentes, mundo afora. Uma pesquisa com mais de 12 mil católicos realizada em 12 países mostrou que a comunhão de divorciados em nova união, o casamento gay e o sacerdócio feminino são temas bem recebidos na Europa, América do Norte e em parte da América Latina, embora radicalmente condenados na Ásia e na África. O Brasil está entre as nações que mais questionam os ensinamentos da Santa Sé, mas figura também na lista das maiores entusiastas do novo pontífice.

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“Uma grande maioria se manteve silenciosa por muito tempo”, diz Dom Orani (El País)

O levantamento, divulgado ontem, foi realizado pelo instituto de pesquisas Bendixen&Armandi a pedido do portal de notícias hispano-americano Univisión. Seis em cada dez católicos do mundo vivem em um dos países onde foram feitas as entrevistas. Ao todo, a Igreja conta hoje com 1,2 bilhão de fiéis.

As nações de posicionamento mais liberal são EUA e as europeias (Espanha, França, Itália e Polônia), seguidas pelas latino-americanas (Brasil, Argentina, Colômbia e México). As mais conservadoras são Filipinas, a representante asiática no levantamento, e as africanas (Congo e Uganda).

No Brasil, a oposição ao discurso de Francisco é refletida em quase todos os pontos abordados. O celibato sacerdotal, por exemplo, é condenado por 60% dos entrevistados (somente 37% são a favor). A comunhão de divorciados tem a adesão de 71%. O aborto é admitido — em todos ou alguns casos — por 81%. E 94% apoiam o uso de anticoncepcionais.

Alguns temas, porém, provocam uma acirrada divisão entre os brasileiros. Dentre os entrevistados, 48% concordam com o Vaticano na rejeição ao casamento gay, enquanto 45% são a favor. Mas a Santa Sé perde por pouco na defesa de outro de seus tabus. O sacerdócio feminino é apoiado por 54% dos entrevistados, e 45% são contra.

Ainda assim, a defesa destas doutrinas não abala a popularidade de Francisco. Seu trabalho à frente da Igreja é avaliado como bom ou excelente por 91% dos brasileiros, enquanto 6% o consideram ruim ou péssimo. O argentino José Mario Bergoglio tem aprovação ainda maior entre seus compatriotas — 97% elogiam seu trabalho, e apenas 2% calculam que ele não é um bom líder da Igreja.

— Considerando a rivalidade entre Brasil e a Argentina, assim como a decepção brasileira pelo fato de um de seus cardeais não ter sido eleito Papa no ano passado, é surpreendente como o país gosta tanto de Francisco — destaca Andrew Chesnut, professor de Estudos Religiosos da Universidade Virginia Commonwealth.

Casamento gay é a maior polêmica
No México, porém, o desempenho de Francisco é reprovado por 26% dos participantes da pesquisa. As razões para esta expressiva insatisfação com a Igreja Católica não são mencionadas no levantamento, mas podem estar relacionadas aos casos de abuso sexual contra seminaristas menores de idade cometidos pelo padre Marcial Maciel Degollado, fundador da congregação Legionários de Cristo.

A insatisfação com o Vaticano é grande, mas os mexicanos defendem as principais doutrinas da Igreja, como o celibato sacerdotal e a proibição ao casamento gay e à ordenação sacerdotal de mulheres.

Mesmo quando os países concordam em certos temas, a união da Igreja parece inviável. Nos EUA, por exemplo, 40% rejeitam o casamento gay — um percentual razoável, se comparado ao visto na África (99%). Entre os católicos europeus, 30% se opõem ao sacerdócio feminino. Nas Filipinas, são 76%.

— A Igreja terá que lidar com dois polos cada vez mais distantes — alertou Ronald Inglehart, presidente do instituto de pesquisas World Values Survey, em entrevista ao jornal “Washington Post”. — Neste momento, os países menos desenvolvidos são fiéis aos antigos valores do mundo, mas mesmo nessas regiões isso vem sendo gradualmente erodido.

— Há uma divisão entre Américas e Europa contra África e Filipinas — concorda Chesnut. — O primeiro grupo tem cerca de 60% dos católicos, mas é o segundo, muito mais conservador, que está crescendo. Será um desafio para Francisco equilibrar o desejo de modernização de um grupo e a preferência por uma doutrina tradicional de outro.

Uma prova de que a visão dos católicos está mudando é a análise dos resultados por faixa etária. Na Argentina, por exemplo, 58% dos jovens (de 18 a 34 anos) apoiam o casamento gay. Entre os mais velhos (a partir de 55 anos), apenas 27% são a favor do matrimônio de homossexuais.

Para Chesnut, Brasil e Argentina têm a mesma abordagem liberal da Igreja vista nos EUA e na Europa.

— A única doutrina que a Igreja ainda conta com o apoio da maioria, embora ela seja cada vez menor, é na condenação ao casamento gay. No entanto, mesmo esta posição deve ser revertida pelos fiéis em poucos anos — assegura.

O professor acredita que, em um futuro próximo, a Igreja mudará três de suas doutrinas, onde há “maior acordo global”: o divórcio, o uso de concepcionais e o celibato.

A avaliação não é compartilhada pelo cardeal Sean O. Malley, um dos principais interlocutores de Francisco. Em entrevista publicada ontem pelo jornal “Boston Globe”, ele avisou que a simplicidade do Papa não deve ser interpretada como uma disposição da Igreja em rever seus ensinamentos.

— Não acho uma justificação teológica para isso — condena. — Não vejo o Papa mudando doutrinas. A Igreja precisa ser fiel ao Evangelho.

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Acesse o PDF: Católicos são mais liberais do que a Igreja, revela estudo (O Globo – 09/02/2014)   

 

 

 

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