(O Estado de S. Paulo, 20/07/2014) Se o programa brasileiro de tratamento gratuito contra a aids é referência no mundo todo, a rede de prevenção à doença e assistência aos pacientes ainda enfrenta falhas. Levantamento inédito feito pelo Estado com base em informações do site do Ministério da Saúde mostra que a distribuição das unidades de saúde especializadas em prevenção e tratamento da aids é extremamente desigual nas
diferentes regiões do País.
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As discrepâncias podem ter tido peso importante no aumento dos novos casos de HIV registrados no País nos últimos anos. A alta nos registros, revelada em relatório das Nações Unidas divulgado na semana passada, vai na contramão da tendência mundial de queda. Enquanto o País viu o número de novos casos crescer 11% entre 2005 e 2013, o mundo reduziu a taxa em 27% no mesmo período.
As piores situações são encontradas nos Estados do Norte e Nordeste, exatamente onde as taxas de novas infecções por HIV mais cresceram nos últimos anos. A rede pública oferece dois serviços: os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), voltados para prevenção e diagnóstico, e os Serviços de Assistência Especializada em DST/aids (SAEs), que oferecem também tratamento.
Enquanto Santa Catarina tem 57 centros especializados – um para cada 116 mil habitantes -, o Piauí, Estado com o pior diagnóstico, tem apenas um SAE para seus mais de 3,1 milhões de cidadãos. Outros cinco Estados têm apenas um SAE, o que dificulta o acesso dos moradores do interior ao serviço, geralmente localizado nas capitais. Estão nessa situação Sergipe, Rondônia, Acre, Amapá e Roraima.
A desigualdade está também na distribuição dos CTAs. Com quase 9 milhões de habitantes, o Ceará tem três centros, pior situação entre os Estados que tiveram os dados registrados no site do governo federal. No Rio Grande do Norte, são dois CTAs para 3,3 milhões de pessoas.
Dados do último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, de dezembro, mostram que, enquanto as Regiões Sudeste e Sul apresentaram queda de 18,6% e 0,3%, respectivamente, nas taxas de detecção do HIV entre 2003 e 2012, Norte, Nordeste e Centro-Oeste viram o número de casos subir 92,7%, 62,6% e 6%, respectivamente.
Insuficiente. Para o infectologista Jean Gorinchteyn, do Instituto Emílio Ribas, o número insuficiente de serviços especializados dificulta a detecção e o tratamento da doença. “Se o paciente tem de se deslocar 300, 400 quilômetros para se tratar, ele tem mais risco de banalizar o tratamento. Se um dia está se sentindo bem, deixa de ir ao médico. E isso não é ruim somente porque ele passa a ter mais chance de adoecer, mas porque, sem fazer o tratamento corretamente, a carga viral aumenta e o risco de ele transmitir o vírus para outras pessoas é maior”, diz ele.
Questionado sobre as desigualdades regionais, o Ministério da Saúde informou que, desde o ano passado, orienta Estados e municípios a descentralizarem sua rede de atendimento e oferecer prevenção e assistência a pacientes com aids nas Unidades Básicas de Saúde.
A pasta afirmou também que realizou, entre 2012 e 2013, fóruns em todas as regiões brasileiras para discutir, com a sociedade civil, especialistas e gestores, os principais problemas e propostas para a melhoria do serviço em cada localidade.
Erro. Para Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum ONGs/aids do Estado de São Paulo, a proposta de descentralizar o atendimento nas unidades de atenção básica é um erro. “O que precisamos é exatamente o contrário: o fortalecimento dos serviços especializados, com pessoal capacitado”, diz ele.
Acesse o PDF: País ainda tem falhas nos serviços antiaids (O Estado de S. Paulo, 20/07/2014)