Como as piadas de estupro contribuem para a cultura do estupro

21 de agosto, 2014

(Brasil Post, 21/08/2014) Tenho amigas, conhecidas e amigas de amigas que foram estupradas e atacadas sexualmente. Escutei pacientemente quando elas contaram suas experiências do que aconteceu, ou do que deveria ter acontecido e do que nunca acontecerá.

É de partir o coração.

O choque que se materializa ao perceber que alguém próximo de você foi estuprada ou atacada sexualmente estilhaça a realidade e questiona se existe realmente bem no mundo.

Nos Estados Unidos, uma americana é atacada sexualmente a cada dois minutos, mas as pessoas continuam pensando que fazer piadas sobre estupro ou ataque sexual pode ser visto como engraçado. Não é.

Algumas pessoas dizem que é porque eu “não entendo piadas” ou preciso “ser mais leve” ou “ter mais senso de humor”. O meu senso de humor está ótimo, mas obrigada por verificar.

Quando você está em sua casa e recebe um telefonema de alguém próximo de você que pensa que foi abusado e por que diabos alguém faria isso, seu mundo balança por alguns momentos e você tenta manter o equilíbrio enquanto escuta o que a pessoa tem a dizer.

Por isso, ouvir uma piada sobre estupro não deve ser engraçado. Perguntas como “Não seria engraçado se uma mulher fosse estuprada por um bando?” ou “O sexo matinal é ótimo — a não ser quando você está na prisão” ou quando, ao discutir os resultados de uma prova com colegas, não é engraçado quando elas dizem que foram “estupradas” pelo teste por causa de sua dificuldade?

É claro que não é engraçado. É grosseiro e insultante.

Isso também deriva de nossa cultura. Canções que glorificam o ataque e o abuso sexual estão nas paradas de sucesso, filmes que apresentam estupro e ataque sexual ganham Oscars e o estupro parece ser usado como “atração” na televisão. Há inúmeros artigos em que a norma é culpar a vítima. Estudantes colegiais e universitários compartilham vídeos e fotos de estupro e ataque sexual com seus amigos, e isso se espalha como fogo no mato. As pessoas publicam piadas sobre estupro na mídia social, e quando outras tentam dizer que não é engraçado elas respondem dizendo que não entendem esse tipo de humor.

Embora os detalhes ainda estejam sendo elucidados, basicamente o comediante Daniel Tosh fez uma “piada de estupro” quando um membro da plateia o censurou e a história se tornou viral. Ele disse: “Não seria engraçado se aquela garota [referindo-se a um membro da plateia que o censurou sobre piadas de estupro no início da apresentação] fosse estuprada por cinco caras neste momento? Agora mesmo?”

Mas o verdadeiro significado de “estupro” e “piada” juntos precisa ser melhor examinado. Como escreveu Elissa Bassist em seu artigo no “Daily Beast”:”O debate sobre Tosh não deveria ser ‘as piadas de estupro são engraçadas?’. É a direção errada: sua declaração foi uma crítica tremendamente inadequada, um lembrete e uma ameaça de que aquela mulher poderia ser estuprada por um bando naquele momento. Existe uma diferença entre fazer uma piada para indicar o absurdo de uma situação e o que Tosh fez, conscientemente ou não, que foi usar o humor para humilhar uma mulher que se manifestou sobre algo em que ela acreditava.”

O que fazer piadas sobre uma questão tão séria diz sobre reconhecer o ataque sexual como um ato violento? Em uma nova reportagem, foi revelado que jovens mulheres “consideram a violência sexual contra elas normal”. Se continuarmos minimizando as consequências do estupro e do ataque sexual para uma pessoa, continuarmos agindo com descasosobre uma cena de estupro em um filme, continuarmos dizendo que “os meninos são meninos” e depois continuarmos no processo de culpar a vítima, como poderemos superar isto?

Tosh pediu desculpas pelo Twitter, mas parecia ser um “desculpe que não estou arrependido”.

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Só porque existe algo como a livre expressão e sim, você pode dizer qualquer coisa que quiser e fazer piadas de situações trágicas e até de pessoas, não quer dizer que você deva fazer isso. Não significa que esteja certo. Nem todas as coisas horríveis do mundo precisam que alguém faça uma piada sobre elas.

Há comediantes que não estão defendendo as piadas sobre estupro, como W. Kamau Bell, Molly Knefel e Hari Kondabolu — e outros que as defendem, como Dane Cook, Stevie Ryan e Sarah Beattie.

Alguns comediantes acham que desde que você entra em um clube de comédia qualquer coisa vale. Foi a opinião do comediante Jim Norton, quando ele e a Jezebel de Lindy West falaram sobre a ética das piadas de estupro na série noturna da FX “Totally Biased with W. Kamau Bell”. Explicando por que eles falam sobre assuntos sérios em clubes de comédia, Norton disse: “Nós todos saímos sentindo o mesmo sobre esses assuntos, mas o alívio da comédia é que ela pega coisas que não são engraçadas e nos permite rir sobre elas durante uma hora e depois temos o resto do dia para vê-las como as coisas horríveis e tristes que são na verdade”.

Mas às vezes os comediantes não têm tanta sorte ao expressar suas opiniões sobre a comédia.

O apresentador de podcast na Citizen Radio e feminista Jamie Kilstein disse que as piadas de estupro não são engraçadas em uma entrevista à MSNBC, e a partir daí ele perdeu amigos e trabalho. Ele disse mais tarde: “O que é hilariante é que os comediantes que fazem essas horríveis piadas de estupro dizem que elas são modernas. Não há nada de moderno em viver nos EUA como um homem branco e assediar mulheres. Essa é realmente a coisa menos moderna que você pode fazer. Você não é um rebelde agindo dessa maneira. Os comediantes têm tanta coisa sobre as quais podem falar. Não temos seguro-saúde. Não temos um sindicato, mas de certa forma quando as piadas de estupro são apresentadas todos os comediantes do universo encontram algo em que eles concordam, então os comediantes negros, os comediantes gays e os comediantes brancos se unem e dizem que as piadas de estupro são engraçadas. É idiotice. Eu acho que é preguiça e mesquinharia.”

Mas as piadas de estupro não são ditas apenas no interior dos clubes de comédia. Isso continua acontecendo e continuamos a vê-las em programas de televisão e na cultura pop. A cultura do estupro é prevalente, como é mostrado em parte por esta compilação de vídeos da “New York Magazine”:

A pior parte das piadas sobre estupro e ataque sexual é que há consequências sérias. Jovens homens e mulheres já se mataram por causa das consequências do abuso sexual e estupro. Cerca de 33% das pessoas que foram estupradas têm pensamentos suicidas, e cerca de 13% das vítimas de estupro tentam cometer suicídio.

A estudante de 15 anos Audrie Pott foi encontrada enforcada em um banheiro dias depois de ter sido atacada sexualmente em uma festa e de fotos terem sido usadas para ameaçá-la. Thomas Malone, um estudante do Amherst College, deixou um bilhete e se matou quando não podia mais enfrentar o ataque sexual que tinha ocorrido quando frequentava a faculdade. Uma canadense de 17 anos, Rehtaeh Parsons, morreu depois de uma tentativa de suicídio. A família disse que a menina nunca se recuperou do estupro supostamente cometido contra ela por quatro adolescentes. Seu pai escreveu um post comovente sobre as consequências de seu suicídio e o que havia permitido que isso acontecesse.

São casos terríveis, cheios de acusações à vítima, de uma comunidade que censura as vítimas enquanto elogia os estupradores como “vítimas”.

Seguindo em frente, como podemos deter o estupro? O ataque sexual? A cultura do estupro? As piadas de estupro?

Precisamos abordar a cultura do estupro. Precisamos reconhecer que, segundo um estudo recente, os homens são estuprados com a mesma frequência que as mulheres. Precisamos compreender que os dois sexos têm experiências semelhantes de alguns tipos de vitimização sexual. Precisamos parar de culpar as vítimas. Precisamos parar de perguntar “o que você estava vestindo?” e começar a demonstrar compaixão. Precisamos parar de obrigar as vítimas a se esconder por causa de “piadas”, e em vez disso encorajar as vítimas a procurar as autoridades e relatar o que aconteceu.

Precisamos romper o silêncio.

Ao envolver homens e meninos nessa discussão, juntamente com as mulheres, encorajamos as comunidades a agir e obrigamos todos a ser responsáveis.

O vice-presidente Joe Biden disse em uma entrevista a “The Huffington Post ” que “não basta não ser um abusador”. A Casa Branca também lançou recentemente um Anúncio de Serviço Público que incentiva os homens a agir quando virem uma mulher sendo atacada. Do “Huffington Post”: “O vice-presidente rejeitou a ideia de que a Casa Branca precisa que o Congresso aja para ter um efeito real. ‘Nós nem sequer temos leis para isto’, disse ele. ‘Estamos tentando mudar a cultura.'”

Você pode assistir ao vídeo abaixo:

Existe uma linha fina, e quando ela é cruzada não há como voltar. Você nunca pode realmente esquecer o fato de que alguém foi estuprado ou atacado sexualmente.

Esse conhecimento fica em você e nunca desaparece. E não deve ser algo para se fazer piadas.
Nas palavras da comediante Sara Schaefer:

“Na minha opinião, a comédia floresce mais quando nos une, e não quando nos separa”.

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