(CNJ, 16/09/2014) Pelo menos em nove estados brasileiros foram baixadas normas que proíbem a realização de revista íntima para ingresso em unidades prisionais. Nesse tipo de averiguação, o visitante é obrigado a ficar nu, saltitar, agachar-se e ter as partes íntimas inspecionadas. Com frequência, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outras instituições recomendam o fim desse procedimento, por considerá-lo ofensivo aos direitos individuais garantidos pela Constituição Federal.
“A revista vexatória ė, simultaneamente, grave violação à individualização da pena e atentado à dignidade da pessoa humana do visitante. E, por isso, nunca deveria ter existido”, afirmou o conselheiro Guilherme Calmon, supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), do CNJ.
A mais recente ofensiva contra essa prática foi adotada no último dia 2 de setembro, quando o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) publicou a Resolução n. 5, de 28 de agosto de 2014. Ela determina a substituição da revista íntima pelo uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, aparelhos de raios X, escâner corporal, entre outras tecnologias capazes de identificar armas, explosivos, drogas e outros objetos ilícitos. A norma substitui outras duas resoluções do colegiado, de 2000 e 2006, igualmente contrárias à revista vexatória.
A primeira unidade da Federação a proibir o procedimento foi Minas Gerais, por meio da Lei Estadual n. 12.492/1997. A mais recente foi o Amazonas, onde, em 21 de agosto deste ano, o juiz Luís Carlos de Valois Coelho, titular da Vara de Execuções Penais do estado, assinou a Portaria n. 007/14/VEP, que proíbe a prática na capital Manaus.
Pesquisa – A portaria do Judiciário amazonense, além da proibição, destaca que a revista íntima não garante a apreensão de objetos proibidos. O texto cita pesquisa da Rede Justiça Criminal, divulgada neste ano, segundo a qual, no estado de São Paulo, apenas 3 em cada 10 mil procedimentos de revista íntima resultaram na apreensão de objetos proibidos. A pesquisa relata também a inexistência de armas entre as apreensões e acrescenta terem sido encontrados 4 vezes mais objetos proibidos no interior das unidades prisionais que com os visitantes.
A portaria inclui também dados do Núcleo Especializado em Situação Carcerária e da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do estado de São Paulo. Segundo eles, foram realizados 3.407.926 procedimentos de revistas íntimas vexatórias em todo estado em 2012. Em apenas 0,013%, foram encontrados aparelhos celulares e, em 0,01%, entorpecentes, sendo que em nenhum caso houve apreensão de armas.
Outros estados que baixaram normas contra a revista vexatória foram Paraíba (Lei Estadual n. 6.081/2010), Rio de Janeiro (Resolução n. 330/2009 da Secretaria de Administração Penitenciária), Rio Grande do Sul (Portaria n. 12/2008 da Superintendência dos Serviços Penitenciários), Santa Catarina (Portaria n. 16/2013 da Vara de Execução Penal de Joinville), São Paulo (Lei Estadual n. 15.552/2014), Espírito Santo (Portaria n. 1.575-S, de 2012, da Secretaria de Estado da Justiça), Goiás (Portaria n. 435/2012 da Agência Goiana do sistema de Execução Penal) e Mato Grosso (Instrução Normativa n. 002/GAB da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos).
Denúncia – Entre os nove estados que adotaram a medida, Goiás é um dos exemplos do resultado da articulação do CNJ com outras instituições. No estado, a parceria foi com o Ministério Público do Estado, que, por meio do promotor de Justiça Haroldo Caetano, enviou ao Conselho, em 2012, denúncia e vídeo com flagrantes de revista íntima. A partir daí, os dois órgãos passaram a cobrar providências da Agência Goiana do Sistema de Execução Penal (Agsep), hoje transformada em Secretaria de Estado da Administração Penitenciária e Justiça (Sapejus).
Era março de 2012, quando o DMF, do CNJ, pediu explicações à Agsep e encaminhou o vídeo à Procuradoria-Geral de Justiça de Goiás “para adoção de medidas que entender pertinentes, pois as imagens revelam inaceitável violação ao princípio da dignidade da pessoa humana”. Quatro meses depois, em julho daquele ano, a Agsep baixou a Portaria n. 435/2012, que proíbe qualquer ato que obrigue o visitante a se despir, ficar agachado, dar saltos, submeter-se a exames clínicos invasivos – a exemplo do toque íntimo – ou “qualquer atitude ofensiva à sua dignidade humana ou à sua honra”.
A portaria da Agsep orienta os visitantes sobre que roupas devem utilizar para facilitar a revista nas unidades prisionais. O traje recomendado para os homens é “calça e/ou bermuda abaixo do joelho, camiseta sem gola polo e tênis de solado fino semelhante ao usado em futebol de salão, ficando vedado uso de camiseta com botões”. Para as mulheres, “vestidos de malha ou tecido semelhante, sem decote e abaixo do joelho ou calça de malha e blusa de malha ou tecido semelhante, sem decote e de chinela rasteira ou sandália baixa”.
Detectores – Segundo o Superintendente de Segurança Prisional de Goiás, João Carvalho Coutinho Júnior, “a revista vexatória está extinta no estado”. Ele conta que o visitante trajado conforme prevê a portaria, ao chegar a determinada unidade prisional, precisa ficar de roupas íntimas e passar por detectores de metais, operados por agentes do mesmo sexo. Após a vistoria, se nenhum objeto proibido for encontrado, a pessoa é autorizada a entrar. Por outro lado, quem estiver com trajes incompatíveis com a portaria, “não é revistado e também é proibido de ingressar na unidade prisional”.
O superintendente informou também que está em fase final processo de licitação para aquisição de quatro equipamentos do tipo escâner corporal, a serem instalados para o reforço da vigilância nas duas maiores unidades prisionais de Goiás. São elas a Penitenciária Odenir Guimarães, situada no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, e a Casa de Prisão Provisória de Goiânia. Juntas, elas abrigam cerca de 3,5 mil detentos e recebem, a cada domingo, até 3 mil visitas, das quais 90% são de mulheres.
O CNJ recomenda o fim da revista vexatória sempre que ela é verificada nos mutirões carcerários ou mesmo denunciada ao órgão. Um exemplo foi o mutirão realizado no Presídio Central de Porto alegre (PCPA) no período de fevereiro a março deste ano. O CNJ flagrou a aplicação do procedimento, apesar de ele ter sido proibido pela Portaria n. 12/2008 da Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul (Susepe).
Regalia – Segundo o relatório do mutirão, aprovado pelo Plenário do Conselho em 16 de junho, na 191ª Sessão Ordinária, só os visitantes dos líderes das facções criminosas que controlam o PCPA estão livres da revista. A regalia, segundo constatou o CNJ, tem a anuência da Brigada Militar, que administra a unidade. Os demais visitantes, no entanto, precisam chegar à unidade às 5 horas, passar por todos os procedimentos de segurança, até chegar, por volta das 11 horas, às galerias.
No momento, a Susepe promove o esvaziamento do PCPA com a transferência de detentos para novas unidades prisionais em construção no estado. A medida atende às recomendações do CNJ, do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul e do Fórum da Questão Penitenciária. Elas foram feitas diante das precárias condições do presídio, considerado inseguro e sem condições estruturais para continuar em funcionamento.
Jorge Vasconcellos
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