(Carta Maior, 11/12/2014) Mais do que uma ministra do gabinete presidencial, Eleonora Menicucci de Oliveira é uma militante leal a Dilma, com quem compartilhou uma cela quando ambas combatiam a ditadura civil-militar, cujos crimes foram reconstituídos no relatório apresentado nesta quarta-feira (10) em Brasília pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
“Todos estes volumes entregues pela Comissão deixaram a verdade descoberta, com a verdade por inteiro agora os órgãos da justiça farão o que deve ser feito… pode ser que depois a verdade chegue à justiça, não sei… é preciso ver”, argumentou Menicucci, ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, cautelosa, pouco tempo depois de concluída a cerimônia no Palácio do Planalto.
“O documento explicita a recomendação de tomar o caminho da justiça, algo que deverá ser feito pelos órgãos do Poder Judiciário, não é um assunto do Poder Executivo. Acredito que a sociedade vai pressionar para que se continue avançando”, continuou a funcionária em entrevista ao Página 12, minutos depois de encerrado o discurso de Dilma.
Em seu pronunciamento, a presidenta destacou o significado de o Brasil contar com um tesauro do terror e adiantou que este documento marca o início de uma nova etapa: “vamos tomar nota das recomendações e das propostas da Comissão, das quais necessariamente surgirão consequências”.
Mas não fez nenhuma menção à possibilidade de abrir processos judiciais, para o que seria necessário derrubar a lei de anistia promulgada pelo regime em 1979, uma herança que faz do Brasil o único país do Cone Sul onde nenhum militar foi processado por ter violado os direitos humanos durante os 21 anos de uma das ditaduras mais longas da região.
“Nossa Comissão foi feita com solidariedade de todas as partes, devemos muito ao Chile, à Argentina, ao Uruguai… depois do fim das ditaduras, esses países estiveram diante de nós na criação das comissões da verdade. Os países vizinhos e irmãos são diferentes do Brasil. Aqui há outra lógica política”, avaliou a ministra com realismo.
Uma centena funcionários, ex-presos e familiares de mortos e desaparecidos participaram da cerimônia iniciada às 9h30 da manhã, minutos depois de ter parado a chuva e os vendavais do Planalto, em seguida iluminado com um sol efêmero.
“Estou emocionada, hoje é um dia histórico… ao final de tanta disputa, tivemos nossa comissão graças a termos uma ex-presa e torturada na Presidência da República… falei com a presidenta sobre a Comissão, falamos sempre… faz pouco tempo que falamos de como criamos laços inquebráveis ao longo de nossas vidas”.
O vínculo indestrutível que perdura até os dias de hoje foi forjado no início dos anos 70, quando as duas combatentes de vinte e poucos anos (Menicucci com seu bebê de um ano) dividiram uma cela na “Torre das donzelas”, lugar reservado para as presas políticas em uma prisão de São Paulo.
Dilma, Menicucci e outros membros do gabinete não escondiam sua satisfação pelo objetivo alcançado, sem repetir o clima esperançoso vivido em maio de 2012 quando foi posta em funcionamento a Comissão em um salão maior, com a participação de todos os ex-presidentes civis e convidados estrangeiros.
O Planalto estava menos reluzente do que há dois anos, talvez pelas fortes pressões militares que por pouco não impediram a realização da cerimônia ou pela ofensiva desestabilizadora lançada pela coalizão de partidos e mídias oposicionistas para inviabilizar o segundo mandato de Dilma, iniciado dentro de três semanas.
“Ministra, lhe surpreende ver atos oposicionistas que pedem o retorno dos militares”, questionou a reportagem a Menicucci.
“Recebo com a maior indignação estes protestos, estou em total desacordo com essa postura… quero dizer que quando alguém viveu em uma ditadura, sabe o que é um militar. Eu diria a essas pessoas que estão saindo nas ruas com frases favoráveis aos militares que pedir um golpe é o mesmo que dar um golpe”.
“Sobre os militares e sua posição sobre a Comissão… ao final… os que falaram são os militares aposentados, eles podem dizer o que quiserem porque é para isso que vivemos em uma democracia”, observou.
Sua opinião não é compartilhada pelo ex-preso político Magno de Carvalho, do sindicato de trabalhadores da Universidade de São Paulo, para quem “não se pode tolerar essas proclamações golpistas dos militares, lamentavelmente o governo cede a pressões, o discurso que Dilma fez hoje foi concessivo, ela falou de não cair em revanchismo com as forças armadas. E eu me pergunto de que revanchismo ela fala, de que reconciliação, aqui o que faz falta é justiça”.
Após a reunião no Planalto, realizou-se outra audiência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em que se anunciou formalmente que será dada continuidade à batalha jurídica pelo fim da (auto) Anistia, em consonância com o que sugere a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Durante a reunião houve aplausos e manifestações de apoio à ex-ministra de Direitos Humanos e atual deputada Maria do Rosário, agredida na terça-feira (9) pelo parlamentar neogolpista Jair Bolsonaro.
“Este caso vai além do decoro parlamentar, estamos ao dispor da deputada”, afirmou o titular da OAB, Marcos Vinicius Furtado Coelho, na reunião que contou com a participação do ex-ministro de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, atual membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e do secretário-geral da CNBB, Leonardo Ulrich Steiner.
Dario Pignotti
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