(Carta Capital, 29/01/2015) A regulação da mídia, um dos temas que a presidente Dilma Rousseff prometeu defender no seu segundo mandato, é alvo de resistência no Congresso Nacional. Diretrizes de controle de formação de grupos midiáticos estão previstas na Constituição, mas até hoje não foram regulamentadas por lei.
Dezenas de propostas que tratam do assunto tramitam no Senado e na Câmara dos Deputados desde 1988. Líderes de partidos, como PMDB, PSDB e DEM, se opõem à regulação sob o argumento de que ela representa censura. Mas, em países europeus e nos Estados Unidos, a regulação da mídia é considerada essencial para a garantia da liberdade de expressão.
“A mídia precisa ser protegida por uma legislação que trate do direito fundamental de cada indivíduo de se expressar livremente”, afirma Thomas Hoeren, professor do Instituto para Informação, Telecomunicações e Direito de Mídia da Universidade de Münster, na Alemanha. “A regulação existe para ajudar a mídia, não para reprimi-la.”
Na União Europeia, regras para o setor audiovisual são válidas para todos os Estados-membros. “A existência delas tem garantido um alto nível de proteção. A liberdade e o pluralismo devem ser respeitados”, disseram à DW Brasil especialistas da Comissão Europeia, em Bruxelas.
Segundo a Comissão, desde a adoção de uma diretriz sobre difusão televisiva em 1989, o número de canais de TV aumentou para mais de 8,8 mil na Europa. “A regulação cria condições equitativas para o surgimento de novos meios de comunicação, preservando a diversidade cultural.”
O ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, pretende convocar audiências públicas sobre o tema a partir de março. A proposta do Executivo, delas resultante, seria depois enviada ao Congresso Nacional.
A regulação da mídia é uma bandeira antiga do PT. Sob forte pressão, um projeto teria sido elaborado ao final do governo Lula, sob a coordenação do ex-ministro Franklin Martins, mas nunca se tornou público.
Em sua página no Facebook, Dilma voltou recentemente a defender a regulação do funcionamento da mídia: “Não tem nada a ver com controle do conteúdo ou censura.” Um vídeo produzido pelo Planalto ressalta que não se deve confundir a garantia de liberdade de expressão com a “ausência absoluta de regulação”.
Propriedade cruzada
Para o professor João Feres, coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (Lemep) da Uerj, o principal papel da regulação é limitar a propriedade cruzada dos meios de comunicação, ou seja, não permitir que uma mesma empresa controle várias mídias.
“Também é importante limitar os monopólios territoriais. Não poderia haver dois canais de televisão pertencentes a uma mesma empresa atuando na mesma região, como vemos hoje”, observa.
Segundo o jornalista Venício Lima, professor de comunicação da UnB e autor de vários livros sobre mídia e política, a propriedade cruzada leva a um quadro de concentração e de consequente formação de monopólios e oligopólios.
“Isso significa a corrupção da opinião pública. Poucos grupos controlam o debate público, o que prejudica o espaço de representação das vozes na sociedade”, critica.
Para o especialista, a resistência existe por várias razões. “Talvez a mais óbvia seja que, no Congresso, existe um percentual muito grande de parlamentares que têm vínculos diretos com as concessões do serviço público de audiovisual”, afirma.
Apesar de a Constituição proibir que deputados e senadores detenham veículos de rádio e televisão, os congressistas conseguem comandar as concessões de forma indireta. Proibidos de ocupar cargos de direção, muitos nomeiam parentes ou se tornam sócios de empresas midiáticas.
Nos Estados Unidos, desde 1934 é proibido que uma mesma empresa controle veículos impressos e eletrônicos na mesma região.
Pluralidade de opiniões
Além do controle sobre a formação de grupos de comunicação, uma norma constitucional também prevê a “promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente”. Propostas para regulamentação desse artigo tramitam desde que a Constituição foi promulgada.
“O Estado também deve apoiar iniciativas de mídia que, sozinhas, não têm condições de sobreviver no mercado, mas que são fundamentais para a pluralidade de opiniões, a exemplo do que faz a Europa”, diz Lima.
A regulação do setor teria, inevitavelmente, consequências no conteúdo. “Se você regionalizar a produção jornalística, cultural e de entretenimento, o conteúdo será obviamente alterado, mas de forma positiva”, diz o jornalista.
Outro ponto polêmico é a regulamentação do direito de resposta, que não é previsto no país desde o fim da Lei de Imprensa de 1967. “As decisões judiciais variam e, muitas vezes, prejudicam as pessoas atingidas”, afirma Lima.
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) vem trabalhando num projeto de lei de iniciativa popular sobre a regulação do setor de comunicação social. A entidade precisa colher 1,3 milhão de assinaturas para enviar o projeto da chamada Lei de Mídia Democrática ao Congresso.
Karina Gomes
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