“Leis sozinhas não revertem a precarização das mulheres”, diz Débora Diniz

17 de março, 2015

(Último Segundo, 17/03/2015) Antropóloga e pesquisadora da UnB diz que regras como a nova Lei do Feminicídio e a Lei Maria da Penha são conquistas importantes, mas não suprem a necessidade maior de uma política de prevenção e investigação desses crimes

Embora a aprovação da lei que estabelece penas mais altas para o assassinato de mulheres motivados por questões de gênero tenha sido motivo de comemoração ao ser sancionada nesta semana, uma parcela do movimento feminista diz que a tipificação do feminicídio está longe de solucionar o problema da violência contra as mulheres.

De acordo com a antropóloga e professora da Universidade de Brasília Débora Diniz, as leis não são suficientes para prevenir o assassinato de mulheres. O argumento é baseado em um estudo realizado no Distrito Federal, pela Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, com financiamento da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República e do Ministério Público do Distrito Federal e Entorno. A pesquisa mostra que, desde que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, em 2006, não foi observada uma diminuição no número mortes violentas de mulheres. “Temos uma taxa regular e constante sobre a taxa de feminicídio”, explica Débora.

Veja outros trechos da entrevista:

Por que nomear feminicídio?

Mulheres negras têm mais chances de morrer

Estado não sabe causa de morte de 20% das mulheres

Quais soluções para combater a violência contra mulheres?

Lei exclui mulheres transsexuais

Leis são uma das formas de lutar pela igualdade

Além disso, a pesquisa revela que uma parcela significativa dos assassinatos sequer é investigada e que essa chamada “cifra oculta” é consideravelmente mais alta entre mulheres negras e da periferia. Diante disso, a pesquisadora defende que tanto a Lei Maria da Penha como a lei que tipifica o feminicídio sejam sim encaradas como “conquistas importantes”, mas com ressalvas. De acordo com Débora, elas estão muito focadas no Estado como um instrumento de punição e não combatem problemas de prevenção e investigação.

“Eu também tenho muita angústia”, diz Débora, “mas, por outro lado, tenho as minhas dúvidas sobre a aposta no Estado penal, sobre a aposta das nossas lutas de igualdade em um Estado punitivo que não é tradicionalmente fraterno conosco. Esse mesmo direito penal que prende e pune as mulheres pelo aborto”, completa. Assista abaixo os principais trechos da entrevista.

Leis e precarização

A antropóloga defende que novas legislações não são suficientes para combater o assassinato de mulheres por razões de gênero, chamado de feminicídio. “As leis são uma das formas que nós temos de lutar pela igualdade”, diz Débora. “Mas as leis não são capazes, sozinhas, de reverterem engrenagens sociais que se movem em permanente precarização da vida das mulheres”, diz Débora.

Assassinatos e condenações

De acordo com o estudo realizado na capital do país, a maioria dos assassinos de mulheres identificados são condenados. De 2006 a 2011, 97% dos responsáveis pelos feminicídio no Distrito Federal foram condenados a uma média de 15 anos de prisão, em regime fechado. “Nós temos problemas de prevenção que gritam aqui”, diz Débora.

Ausência de investigação

Outro problema identificado está na investigação: de acordo com a mesma pesquisa, a Justiça não investiga 20% dos assassinatos de mulheres. “Em uma em cada cinco mulheres, ou esse matador foi muito eficiente na matança, ou nosso regime patriarcal tem uma mão muito forte na polícia que não inicia essas investigações”, critica a pesquisadora.

Mulheres com mais chances de morrer

Segundo a antropóloga, mulheres negras e moradoras de regiões periféricas têm mais chances de morrer e não recebem o mesmo tratamento investigativo. “Há regimes prévios de precarização da vida que não são compartilhados”, diz Débora. “Essas mulheres que morrem vêm de regiões mais pobres da capital do país e esse pode ser um indicador de classe, então nós estamos falando de mulheres jovens, negras e de regiões periféricas do Distrito Federal.

Medidas protetivas

Diante dos problemas identificados de prevenção e investigação, a pesquisadora defende um enfoque diferente na condução das políticas públicas. “Hoje a engrenagem da Lei Maria da Penha se move com medidas protetivas, na mesma delegacia que tem problemas de investigação. Que aposta de política social nós estamos fazendo? É na delegacia que as mulheres vão ter acesso às medidas protetivas?”, questiona.

Assassinato por questão de gênero

Um dilema que surge a partir da inclusão do feminicídio no Código Penal como homicídio qualificado está no julgamento do que seria ou não um assassinato movido por questões de gênero. “Aqui nós temos um problema objetivo” diz Débora. “A quem caberia nomear, para as estatísticas do Estado? No momento da confissão, da denúncia ou no final da sentença?”

Transsexuais

A pesquisadora critica a exclusão das mulheres transexuais, no texto final da lei do feminicídio. De acordo com Débora, a alteração do texto não foi “inocente” e mostra  que há um “limite” no apoio de alguns segmentos da sociedade à luta das mulheres. “A quem o direito penal concede a sua voz como uma vida digna para ser protegida?”, questiona a pesquisadora.

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