(Opera Mundi, 03/04/2015) Entidades, no entanto, lutam para que período de abstinência não siga modelo inglês, que é de um ano sem manter relações sexuais antes de doação
A orientação sexual deixou de ser um critério de impedimento para a doação de sangue na França. A medida foi recebida com entusiasmo por grupos de defesa dos direitos LGBT, que há anos tentavam modificar a lei. O questionário prévio para doadores de sangue deverá ser alterado em breve.
“O fato da pessoa ser gay não deve ser parâmetro para a doação de sangue. O mais importante é saber se o voluntário tem múltiplos parceiros ou não, sendo ele hétero ou homossexual”, disse Dominique Ganaye, porta-voz da Fédération LGBT na França, em entrevista a Opera Mundi. Ganaye quer que o tratamento seja o mesmo para todos, independentemente da orientação sexual.
Atualmente, qualquer homem que tiver tido relações sexuais com uma pessoa do mesmo sexo é impedido de doar sangue na França, mesmo se for um parceiro fixo ou se a relação tiver ocorrido há anos. O mesmo não acontece com a relação entre mulheres. A alegação é que o vírus HIV é transmitido com mais facilidade através do ato sexual entre dois homens: o número de pessoas contaminadas entre essa população seria 65 vezes mais alto do que entre as pessoas heterossexuais.
Ganaye, no entanto, argumenta que o padrão de segurança sanitária é bastante elevado. “Todo sangue recebido deve ser testado para ter certeza que não haja nenhum tipo de contaminação dos pacientes, seja lá quem estiver doando”. O principal argumento dos críticos é o período de encubação de certas doenças, que, apesar da contaminação, ainda não pode ser identificada em testes. Esse período é de cerca de 10 dias para o HIV e 12 dias para a hepatite C.
“É claro que há um risco, mas há um risco para todo mundo. Uma pessoa heterossexual pode ter um comportamento de risco bem maior que um homossexual”, defende Fred Pecharman, da associação Homodonneurs, que milita pelo direito à doação de sangue. A associação está por trás de uma campanha que incentiva homens gays a comparecerem nos postos de saúde para fazer doação, mesmo que sejam impedidos. “Os funcionários são obrigados a nos cadastrar com o motivo da recusa, desta forma entramos para as estatísticas. É assim que conseguimos fazer pressão”, explica.
Pecharman, que doava sangue regularmente até 2008, quando assumiu a homossexualidade, espera poder voltar a colaborar, mas ainda parece cético. “Notamos que a ministra da Saúde falou em modificação do questionário, não em modificação da lei. O que isso quer dizer?”. A desconfiança acontece porque a ministra Marisol Touraine já mudou de ideia antes. Ao assumir o cargo, em 2012, ela afirmou seu desejo de rever o critério, mas, alguns meses depois, voltou atrás.
Além do mais, ainda não foi definido o período de abstinência, que deve ser copiado dos modelos de outros países. Na Inglaterra, no Japão e na Austrália, homossexuais devem estar há pelo menos um ano sem ter relações sexuais. O Canadá é ainda mais restrito e exige cinco anos de abstinência. “O que adianta dizer que aceita doação de homossexuais, se na prática a pessoa tem que passar um ano sem ter relações? Não faz o menor sentido”, argumenta Pecharman. Para os heterossexuais franceses, a exigência é ter tido um único parceiro nos últimos quatro meses, critério que militantes gays acham justo para todos.
No Brasil
No Brasil, uma resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de 2004, determina que homossexuais podem doar sangue, mas o período de abstinência de um ano também é necessário. Esta condição confunde funcionários e população, já que em 2011 foi publicada a portaria nº 1.353, que afirma que “a orientação sexual não deve ser usada como critério para seleção de doadores de sangue”. Na prática, as regras acabam impedindo qualquer doação e alguns homens gays preferem mentir sobre sua orientação sexual para conseguirem passar pelo processo.
No mundo todo, cerca de 50 países proíbem especificamente a doação de sangue para homossexuais, mesmo que alguns deles estejam bastante avançados na luta pelos direitos LGBT, como Dinamarca, Bélgica, Áustria, Noruega ou Israel. Por outro lado, a Rússia, país onde existe uma lei que proíbe a distribuição de “propaganda homossexual”, regularizou a doação de sangue por gays em 2008.
Amanda Lourenço
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