(Agência Brasil, 13/05/2015) Abdias Nascimento, Clóvis Moura, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Jurema Werneck e Sueli Carneiro são apenas alguns nomes da extensa lista de intelectuais negros brasileiros. Não é incomum, entretanto, que um estudante deixe o ensino superior sem conhecer e sem ter lido nada desses pensadores. Para pesquisadores, falta à academia e à educação de forma geral um conhecimento maior sobre a intelectualidade negra, não apenas brasileira. É preciso também ter acesso a obras de pensadores negros traduzidas.
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A busca pelo protagonismo negro foi o que motivou a pesquisa do professor de história Carlos Machado. No livro Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente, ele compilou algumas histórias e legados de pesquisadores negros para a humanidade. Ele explica que essas pessoas são responsáveis por invenções que fazem parte do nosso cotidiano. “Mas o eurocentrismo escondeu ou apagou essa história como se ela não existisse e aí essas informações, uma parcela delas, ficou como se fosse um legado europeu”, disse.
Segundo ele, a matemática tem origem no continente africano, assim como a astronomia e a universidade. “Há anos eu tinha ouvido falar que as primeiras universidades do mundo tinham sido construídas na Europa, como a Universidade de Bologna no século 11, mas há notícias de universidades, centro de estudos na África já no século 30 antes de Cristo”, diz. “Temos diversas influências africanas no nosso cotidiano, na metalurgia, selagem, na filosofia, na engenharia, na arquitetura, no urbanismo, a presença negra está além da música e da cultura, a presença negra está em vários campos do conhecimento e isso precisa ser resgatado para além do século 21.”
A pesquisa, no entanto, não foi fácil. Machado conta que, em 1995, quando buscava por pesquisadores negros, “aparecia cientista negro como obra de ficção científica e não como algo real”. Segundo ele, esse apagamento do protagonismo negro data do processo de escravidão, que começou a partir do século 15 e tinha como objetivo desumanizar quem era escravizado. “Você não dominava apenas com as armas. Você dominava por meio da cultura e da religião. Então você tinha que destruir totalmente este ser humano. Então, ele tinha que abraçar totalmente a cultura europeia como se fosse a única possível. E a cultura africana foi vista como uma coisa bárbara, baixa, selvagem”.
A dificuldade que ele encontrou na década de 90 persiste hoje. Segundo a advogada e pós-doutora pela Universidade de Texas Ana Luiza Flausino esse é um desafio que a universidade brasileira coloca para os pesquisadores negros. “Os nossos temas são vistos com muita desconfiança”, diz. “De forma geral, nós não traduzimos textos de pessoas negras de África e da diáspora. A universidade não tem cumprido esse papel de priorizar também a tradução de textos, só fica reeditando clássicos europeus. A gente tem pouco acesso, em língua portuguesa, a alguns clássicos fundamentais e não estou colocando só pessoas negras, mas de indianos, do oriente. A gente tem tão pouca coisa que circula em termos globais, que a gente acaba perdendo com a possibilidade de troca”, diz.
O mestrando em direito Marcos Queiroz estuda o impacto da revolução haitiana nos processos constituintes do Brasil e da Colômbia na Independência. “[Os autores negros] muitas vezes não estão na bibliografia, dependendo da forma como se faz o curso, pode-se nunca ler um autor negro”, diz. “A academia nos exclui dos espaços do fundamento teórico, de pesquisa”.
“Não é só estar dentro da universidade, a gente quer que o conhecimento mude, que a gente conheça autores negros, que leia sobre autores negros e não só negros pesquisando o que a universidade sempre pesquisou”, diz. “Acho que a universidade reflete uma das facetas mais tenebrosas do racismo. Apaga nossas trajetórias e nosso conhecimento”, diz Queiroz.
Mariana Tokarnia; Edição: Lílian Beraldo
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