(El País, 13/05/2015) Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, havia acabado de fazer uma cirurgia para tirar o dente do ciso. No almoço de Dia das Mães, arriscou comer um pedaço de carne, mas rompeu os pontos e se irritou com a dor na gengiva. Era dia 15 de maio de 2006, ele deu um beijo na mãe e resolveu ir embora. Durante a noite, quando a dor se tornou insuportável, ele saiu para buscar um remédio, mas não voltou. Foi baleado, em circunstâncias até hoje não totalmente esclarecidas, na periferia de Santos, no litoral de São Paulo.
Rogério foi um dos 320.000 negros vítimas de armas de fogo entre 2003 e 2012. Faz parte das estatísticas que comprovam que os homicídios cometidos à bala no país tem cor, idade e sexo. Se, por um lado, o número de pessoas brancas mortas por arma de fogo caiu 23% entre 2003 e 2012 (de 14,5 mortes por 100.000 habitantes para 11,8), a quantidade de vítimas negras aumentou 14,1% no mesmo período: de 24,9 para 28,5. Apenas em 2012 morreram 2,5 mais negros do que brancos. Os dados são do novo Mapa da Violência, coordenado pelo sociólogo Julio Jacobo, que será lançado nesta quinta-feira.
“Esse acréscimo de mortes entre os negros é lamentável, mas não surpreende”, afirma Martim Sampaio, coordenador da comissão de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil). “As vítimas preferenciais da violência, chacinas e violações cometidas por agentes da lei são as populações pobres, negras e periféricas”, diz. Para o advogado, existe um “genocídio” contra essa parcela da sociedade.
Segundo Martins, esses dados desmentem o “mito da democracia racial” no Brasil. “Essa população [negra], apesar de numerosa, é invisível. Se fossem jovens brancos, essas taxas de homicídio provocariam reações fortíssimas”.
A razão para a disparidade entre os números de mortos brancos e negros tem razões econômicas, diz o relatório. “Em teoria, os setores e áreas mais abastadas, geralmente brancas, têm uma dupla segurança: a pública e a privada”, diz o texto. Por outro lado, os “menos abastados, que vivem nas periferias e são preferencialmente negros” precisam se contentar com “o mínimo de segurança que o Estado oferece”. O Mapa aponta que as ações de segurança pública distribuem-se de forma “extremamente desigual nas diversas áreas geográficas”, priorizando locais de acordo com o status social das vítimas.
“O Brasil mata na educação, na falta da moradia digna, na saúde, que é uma máquina de matar gente, e na segurança”, afirma Débora Maria da Silva, a mãe de Rogério. Ela é uma das fundadoras do grupo Mães de Maio, formado após as mortes ocorridas em 2006 – muitas das quais com suspeita de envolvimento de policiais. “Não mudou nada desde que meu filho foi morto pela polícia”, diz.
O relatório também aponta qual a idade mais vulnerável às mortes por arma de fogo: do total de 42.416 óbitos por disparo em 2012, 24.882 foram de jovens entre 15 a 29 anos. O número equivale a 59% do total, sendo que pessoas nesta faixa etária são apenas 27% da população brasileira. Enquanto que a taxa de mortalidade de uma pessoa com 30 anos de idade é de 38,7 por 100.000 habitantes, um adolescente com 19 anos tem quase o dobro de chances de ser morto: 62,9. Entre 1980 e a população brasileira cresceu quase 61%, mas as mortes por arma de fogo cresceram 387%. Entre os jovens esse aumento foi ainda maior: 460%. E por fim, o sexo: 94,2% das vítimas de homicídio no país em 2012 eram homens.
Gil Alessi
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