(Diário do Grande ABC, 23/08/2015) Depois de dois anos da aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Domésticas, em 2013, muita coisa mudou para a classe. Jornada de trabalho de oito horas, recolhimento de FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e seguro-desemprego fazem parte da lista de benefícios adquiridos. Por outro lado, a regulamentação da atividade provocou aumento de 12% no número de processos trabalhistas contra os empregadores.
Após a promulgação do texto, houve crescimento de 10,2% no número de empregadas domésticas no Grande ABC entre 2013 e 2014. As informações são da PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego) do Seade/Dieese. Entre as mensalistas, a expansão foi de 12,3%, enquanto o volume de diaristas aumentou 11,1%. “Houve diminuição no número de empregadas domésticas na última década (de 2001 a 2010). Agora, esse nível está começando a voltar ao que era”, afirma o técnico da Fundação Seade e coordenador da PED, Alexandre Loloian.
A nova legislação pode ter influenciado no crescimento da quantidade de profissionais nesse mercado. “Houve encarecimento nos gastos para manter uma mensalista devido aos encargos e taxas que passaram a ser cobrados mas, por outro lado, as pessoas estão buscando diaristas como uma alternativa”, analisa Loloian. Com a obrigatoriedade do vínculo empregatício, muitas mensalistas também passaram a integrar a estatística da pesquisa.
EFEITOS LEGAIS
Com a regularização da profissão, a quantidade de ações judiciais na esfera trabalhista movidas por domésticas teve aumento de aproximadamente 12%, conforme levantamento do Idoméstica, aplicativo que auxilia no processo de cumprimento às novas regras. O levantamento foi realizado com 1.143 empregadores da região Sudeste.
O estudo revela que 69% dos patrões consideram as funcionárias como integrantes da família. Entretanto, para o diretor do Idoméstica, Alessandro Vieira, é justamente aí que mora o perigo. “Muitas pessoas acabam relaxando e não se atentam às leis, se sujeitando a problemas legais posteriores.”
As principais situações que levam os trabalhadores a entrarem na Justiça são a busca pelo registro profissional e problemas ao acertar a rescisão. “Quem ainda não tem carteira assinada mas tem como comprovar vínculo empregatício pode ganhar o processo. Isso também vale para diaristas que trabalham duas vezes por semana, mas recebem mensalmente”, declara Vieira.
Para a advogada Ilana Renata Schonenberg Bolognese, do escritório Bolognese Advogados, o melhor a fazer é se adequar às leis o quanto antes. “As diaristas devem ser pagas todas as vezes que prestarem o serviço, ou seja, diariamente.”
Quanto às rescisões, o diretor do Idoméstica alerta sobre processos que ocorrem em até dois anos após a demissão. “A doméstica tem um espaço para recorrer depois de ser demitida. Em muitos casos, ao se ver em uma situação de dificuldade, a empregada costuma apontar irregularidades do patrão e procura seus direitos”, comenta ele, reforçando a importância de adequar-se às regulamentações.
Há sete anos, o empresário Laércio Barros, 50 anos, de Santo André, mantém a empregada registrada. Mesmo assim, ele admite que ainda tem dúvidas quanto às novas regras. “Não encontro informações claras na mídia. Fico perdido e não sei ao certo se o que faço que já está dentro da lei, e o que devo me adequar.”
A indicação para saber como regularizar a situação dos trabalhadores é procurar orientação no sindicato da categoria, além de empresas especialistas no setor ou um advogado trabalhista. Os encargos e taxas do beneficio, que foram aprovados em junho deste ano, passarão a ser cobrados de maneira unificada a partir de outubro pelo sistema Simples Doméstico.
Diarista procura empresas como alternativa
Com a dificuldade de encontrar emprego, quem ainda não conseguiu ser registrada está migrando para uma nova prática: as empresas de limpeza residencial. Essas companhias fazem o intermédio entre o cliente e o profissional e podem ter vínculo profissional ou não.
No caso da Helpling, que funciona como um aplicativo que auxilia diaristas e clientes a marcarem a faxina, o registro não é feito pela empresa e todos os prestadores de serviço são autônomos. “Nosso número de cadastros aumentou, e a aprovação da PEC foi um dos fatores”, declara Ana Carparelli, Gerente de Operações da Helpling.
“Com o nosso serviço, o cliente diz os dias disponíveis para faxina e nós oferecemos as diaristas cadastradas próximas àquela região e com o período indicado vago na agenda.”
Os serviços variam entre R$ 20,99, para dias avulsos, e R$ 24,90 para dias recorrentes. Desse valor, 80% vão para o profissional. O salário mensal dos trabalhadores fica em torno de R$ 2.000.
A diarista Taís Cristina Roque dos Santos, 32 anos, de Santo André, já foi mensalista, mas prefere o novo modelo de prestação de serviço. “Faço faculdade e cuido do meu sogro. Assim eu posso escolher meus horários, e adequar minha rotina.”
Mais tempo disponível e mais dinheiro no bolso. “Hoje recebo em torno de R$ 1.300, ou até mais, dependendo do número de faxinas que faço. Antes, meu salário não passava de R$ 1.000.” Não há benefícios trabalhistas, mas ela prefere atuar dessa maneira pela flexibilidade de horários.
Já Rosemar Paixão Manoel, 46, de Diadema, prefere pagar o INSS por fora e continuar como diarista. “Meu salário é em torno de R$ 2.000, muito maior do que eu ganhava como copeira, ou do que receberia se trabalhasse em um lugar só.”
Em junho, número de demissões aumentou 21%
Levantamento do Idoméstica revela que apenas 5,9% dos entrevistados pretendem demitir os funcionários devido às leis recentemente aprovadas. “Apesar do cenário econômico, percebemos uma estabilidade em relação às demissões”, analisa Vieira.
Entretanto, em junho o aplicativo registrou alta de 21% em rescisões. Com o encarecimento do custo para manter uma doméstica, muitos patrões passaram a demitir as mensalistas para contratá-las como diaristas.
Para a advogada Ilana Bolognese, é preciso muito cuidado ao tomar essa atitude. “Oriento meus clientes a contratarem diaristas por apenas uma vez por semana. Mais do que isso já dá margem para processos, como o de comprovação de vínculo empregatício.”
Na avaliação do diretor do Idoméstica, a crise econômica também afeta as rescisões. A diarista andreense Marlene dos Santos Tadeu, 58 anos, está sentindo na pele essa dificuldade, porque não consegue registro das patroas. “Com essa falta de dinheiro, fica difícil alguém colocar a mão no bolso para pagar empregada.”
BENEFÍCIOS
Marlene, que está há mais de 20 anos na profissão, já teve registro em carteira, mas hoje paga o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) como contribuinte individual. “Dou meu jeito como posso, mas sinto falta dos benefícios. Se eu ficar doente ou ocorrer algum outro imprevisto, não sei como fazer.”
Esse é um dos motivos que a doméstica Fátima Aparecida Domingo dos Santos, 59, de Mauá, tem para comemorar. Registrada há mais de três anos, hoje ela encontra-se afastada do emprego por problemas de saúde, e, mesmo assim, poderá ser amparada pelo auxílio-doença.
“No inicio, como recebo auxílio por morte, fiquei pensando que ser registrada me traria problemas, mas hoje eu agradeço por ter como me sustentar estando afastada”, diz Fátima.
Marina Teodoro
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