(El País, 29/09/2015) A maioria dos 300.000 coletores são mulheres e poucas têm direito sobre as terras
Sentada no chão nu de uma cabana coberta de palha, Maria de Fátima Ferreira segura com firmeza um coco de babaçu com o fio de uma machadinha e o abre com dois golpes rápidos usando um pedaço de madeira dura.
Em apenas alguns segundos, o fruto, do tamanho de um limão grande, é dividido em quartos para obter seis sementes finas. Ferreira, de 35 anos, as retira e pega outro coco de uma cesta de palha em uma cooperativa de trabalhadores em Esperantina, uma pequena cidade do estado do Piauí. “O babaçu é uma parte tão importante da minha vida que eu provavelmente poderia quebrá-lo de olhos fechados”, diz ela com um sorriso. Estima-se que 300.000 quebradores de babaçu como Ferreira, que vivem em alguns dos estados mais pobres do Brasil, obtenham pelo menos metade de sua renda recolhendo os cocos que caem das árvores e usando tudo o que eles oferecem.
Da semente se extrai óleo, a casca é usada como carvão vegetal, e o mesocarpo, a polpa nutritiva parecida com amido que fica sob a casca, é adicionado a bolos e ao mingau. E as folhas da árvore, que cresce na natureza, são usadas para os telhados.
Ao longo de gerações, o estilo de vida das quebradeiras de coco sofreu muitas ameaças como o desmatamento, a expansão da agricultura e da pecuária, e a pressão das operações de mineração em grande escala.
Muitas delas vivem em assentamentos fundados por escravos que fugiram no fim do século XIX. Outras são descendentes de tribos indígenas que viviam na região antes que os colonizadores europeus começassem a chegar, em meados do século XVI.
Quase todos os que se dedicam a essa atividade são mulheres e apenas uma minoria tem direitos de propriedade sobre a terra em que coletam os frutos. Sua vulnerabilidade é agravada pela falta de reconhecimento oficial da atividade, que o Governo não considera importante do ponto de vista econômico.
Direito aos recursos
De acordo com um dos objetivos previstos para a consecução da igualdade de gênero, os Governos se comprometerão a realizar reformas que concedam às mulheres igualdade de direitos sobre os recursos econômicos, e que também lhes permitam possuir e controlar terras e outras formas de propriedade e de recursos naturais.
“Qualquer coisa na agenda internacional que obrigue o Governo e o Congresso a aprovar a Lei do Babaçu Livre nos ajudará a promover nossa causa”, diz Francisca da Silva Nascimento, coordenadora do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu, um grupo criado em 1991 para ajudar as mulheres a lutar pelo seu direito de recolher babaçu. Ela e suas companheiras esperam que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS), que deverão ser aprovados pelos líderes mundiais no fim deste mês, sirvam de apoio em sua luta por uma lei federal para proteger a árvore e dar a elas acesso às florestas de babaçu, independentemente de quem possua a terra.
As mulheres também querem ser reconhecidas e protegidas na nova campanha para investir na agricultura lançada pelo Governo nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, uma região que as autoridades consideram a última fronteira agrícola.
As árvores de babaçu ocupam 18,5 milhões de hectares desse território, que inclui parte da bacia Amazônica. Em 1997, o movimento das quebradeiras de coco convenceu os legisladores de um município maranhense a aprovar uma lei que concedesse livre acesso a qualquer propriedade para recolher frutos. Agora a lei está em vigor em 13 municípios de três estados e as quebradeiras pressionam para que seja aprovada uma lei nacional.
Elas esperam que seus esforços sejam respaldados por um novo mapa que mostra os riscos para as florestas de babaçu e seu modo de ganhar a vida, apresentado aos membros do Congresso em agosto. “Essa proposta de não querer direitos de propriedade sobre a terra, mas o direito de recolher os frutos, que os agricultores consideram um incômodo, é incrivelmente progressista”, diz Aurélio Vianna, um diretor do programa da Fundação Ford, que financiou o projeto do mapa. “As quebradeiras realizam uma atividade realmente sustentável, que é um grande exemplo do que o mundo quer no programa de desenvolvimento posterior a 2015”, enfatiza.
As frutas só são recolhidas na natureza, o que significa que não é necessário cortar florestas para fazer plantações. Com um pequeno investimento das cooperativas, o babaçu pode ser totalmente usado para gerar renda para centenas de milhares de famílias do Nordeste, o que lhes permitirá permanecer em seus lares rurais em vez de irem para as cidades em busca de trabalho.
A cadeia de produção do babaçu é uma maneira de reduzir a pobreza, erradicar a fome, garantir um estilo de vida saudável e gerir as florestas de forma sustentável, acrescenta Vianna.
Clientes da indústria de cosméticos
Ao longo das últimas duas décadas, as quebradeiras aprenderam a agregar valor aos produtos de babaçu para aumentar sua renda. Mas as melhorias foram desiguais nas diferentes comunidades. Em algumas áreas, elas se organizaram em cooperativas e adquiriram equipamentos como fornos industriais e extratores de óleo para tornar sua produção mais eficiente. Esses grupos são capazes de vender óleo de babaçu e farinha de mesocarpo para programas de alimentação de escolas do Governo, e inclusive para empresas de cosméticos estrangeiras como Aveda e The Body Shop. Mas em comunidades mais pobres e isoladas, a maioria das quebradeiras subsiste à base de coletar frutos e vender as sementes porque carecem do equipamento ou dos conhecimentos para fazer algo mais, explica o engenheiro agrônomo Alvori Cristo dos Santos.
Em um estudo com 113 famílias em 16 comunidades no estado do Maranhão, onde estão as maiores florestas de babaçu, Santos descobriu que a renda das famílias era multiplicada por cinco quando as quebradeiras podiam produzir óleo e farinha. Não existe um programa governamental abrangente para ajudar as quebradeiras de coco, embora algumas delas tenham se beneficiado de iniciativas financiadas pelos Governos estaduais, municípios e instituições de caridade.
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República reconhece a necessidade de fazer mais, mas seu pequeno Orçamento foi reduzido recentemente pelos esforços do Governo para cortar gastos, de acordo com Linda Goulart, a secretária-executiva. “Acreditamos que as quebradeiras são um grande exemplo de atividade sustentável e as apoiamos em sua luta por melhores condições de vida, mas, infelizmente, os recursos que temos são escassos em comparação com os desafios que enfrentamos”, diz Goulart à Thomson Reuters Foundation.
(Com informações da Adriana Brasileiro; edição de Megan Rowling. Esta reportagem é parte de uma série realizada pela Thomson Reuters Foundation para divulgar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).
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