(UOL, 19/11/2015) “Um carro da polícia ultrapassou a gente e apontou para o taxista parar. Eles mandaram a gente sair e mexeram só com a gente, com o taxista não fizeram nada. ‘Mão na cabeça!’ Meu tio estava com uma guia de orixá no bolso e falaram: ‘Olha lá…ainda por cima é macumbeiro’. O que vocês estão escondendo aí? Por que não querem deixar a gente mexer nas coisas? Para eles, eram três negros dentro de um táxi. Só podiam ser bandidos”.
Eles, no caso, eram policiais, brancos, da PM do Rio de Janeiro. O episódio ocorreu em 2002, quando o jornalista e ator Ernesto Xavier, 31, voltava de uma viagem a Minas Gerais com dois tios depois das gravações de um documentário. A abordagem se deu no trajeto até o bairro de Humaitá, na zona sul da capital fluminense, onde iriam largar os equipamentos: o taxista com quem viajavam deixou que a viatura o ultrapassasse porque supostamente sentiu medo de transportar três negros de madrugada.
“Treze anos depois essa história ainda está viva em mim. Eles fazem de um jeito que você sinta que estão te intimidando. Agem com uma violência que não fazem com os outros [não-negros]. O pior é que isso acontece constantemente. Ser parado em blitz já faz parte da minha rotina. Mas dessa vez tive que aprender a ver uma arma apontada pra mim.”
Eles fazem de um jeito que você sinta que estão te intimidando. Agem com uma violência que não fazem com os outros
Ernesto Xavier, jornalista e ator
O relato faz parte da campanha #SentiNaPele, organizada por Xavier e que desde 12 de novembro está reunindo depoimentos, produzidos e espontâneos, sobre casos pessoais de racismo. Segundo o organizador da página no Facebook, que tinha até a tarde da quarta-feira (18) mais de 2.000 curtidas, a campanha surgiu da percepção de que todos os negros, sem exceção, têm pelo menos uma história de racismo para contar.
“Mas estavam todas isoladas, com medo de se exporem. Nosso objetivo é que tomem consciência do que acontece com elas e incentivem mais pessoas a denunciar essas práticas”, diz Xavier.
Não foi o único caso na vida do ator. Em setembro, depois dos arrastões nas praias da zona sul carioca que motivaram decisões polêmicas do governo do Rio, uma postagem na página pessoal de Xavier criticando as medidas restritivas em relação a negros e pobres teve mais de 70 mil curtidas e 7.000 compartilhamentos, além de milhares de comentários – muitos dos quais agredindo o autor.
“Sofri ataques e ameaças de neofascistas declarados, o que transformou a minha vida num inferno. Foi então que percebi como o racismo é forte no Rio. Mas não só no Rio”, diz o ativista, que passou a planejar a campanha para marcar mais um Dia da Consciência Negra. O grupo que organiza a página produziu 12 depoimentos, que estão sendo postados à medida que a iniciativa ganha visibilidade.
Em outro relato, a culinarista Morena Mariah, 24, conta que namorava um rapaz branco quando, de brincadeira, ele disse em uma festa familiar que os dois iriam se casar. A mãe do garoto, segundo o depoimento, afirmou que não haveria casamento porque não gostaria de ter “neto macaco”. O post já teve 90 compartilhamentos e mais de 300 curtidas.
Entre os comentários que podem ser visualizados na página, só apoios à iniciativa – sinal de que os racistas ainda não descobriram a hashtag.
Flávio Ilha
Acesse no site de origem: Grupo cria hashtag para narrar experiências pessoais de racismo (UOL, 19/11/2015)