(TJGO, 18/11/2015) A família plural como consequência de uma nova perspectiva da sociedade em uma busca incessante da felicidade individual, baseada no afeto e no usufruto de uma vida digna, saudável e plena. Ao adotar esse conceito como premissa das relações familiares contemporâneas, a juíza Sirlei Martins da Costa, da 1ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia, reconheceu a relação multiparental de um casal homoafetivo e de um amigo em comum (escolhido como pai biológico) na filiação de uma menina. A magistrada determinou que o nome da mãe afetiva seja incluso na certidão de nascimento da criança. Dessa forma, a garota passa a ter o nome das duas mães (biológica e afetiva) e do pai biológico no registro civil.
Observando a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca do tema, a juíza Sirlei Martins lembrou que nos tempos atuais em razão dos múltiplos “arranjos familiares” não há como negar a proteção estatal a qualquer família, independentemente da orientação sexual dos seus partícipes. “A quebra dos paradigmas engessadores da sociedade moderna é um imperativo da contemporânea. A posse de estado é a expressão mais exuberante do parentesco psicológico, da filiação afetiva. A afeição tem valor jurídico. A maternidade e a paternidade biológica nada valem frente ao vínculo afetivo que se forma entre a criança e aquele que trata e cuida dela, lhe dá amor e participa da sua vida”, ressaltou, ao parafrasear a jurista gaúcha Maria Berenice Dias.
Para a magistrada, é evidente que a maternidade e a paternidade profundamente almejados e conjuntamente planejados advêm da maturidade dos genitores que, a seu ver, de maneira responsável, assumiram todos os deveres inerentes à condição de pais e mães da criança. “Verifico que a criança é cercada de todos os cuidados necessários ao seu desenvolvimento. O ambiente familiar é saudável, envolto de amor, carinho, afeto, respeito e felicidade. Está comprovado nos autos que a criança sente o mesmo amor, carinho, afeto, confiança e segurança por todos os seus genitores – biológicos e socioafetivo – motivo pelo qual em respeito ao princípio da dignidade humana e aos novos desdobramentos a que o conceito de entidade familiar tem passado, entendo por bem deferir o pedido inicial”, pontuou.
Enfatizando que a filiação consanguínea deve coexistir com o vínculo afetivo, pois é um complemento da relação parental, Sirlei Martins seguiu ensinamento do especialista em Direito de Família Rolf Madaleno e posicionamento de vários tribunais do País sobre o assunto para acatar o pedido formulado pelos requerentes. “A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito”, frisou, trazendo à tona jurisprudência do STJ.
Sobre a multiparentalidade
O casal de mulheres vive em união estável há 11 anos e com o aval do amigo utilizaram o método de inseminação artificial para a concepção da criança, que aconteceu de forma planejada. Segundo relatado nos autos pelos requerentes, o planejamento familiar foi e é pautado pelo respeito mútuo, lealdade e companheirismo, razão pela qual os três na qualidade de pais participam efetivamente da criação da filha, prestando todos os cuidados necessários ao seu desenvolvimento. A multiparentalidade é a possibilidade jurídica conferida ao genitor biológico e/ou do genitor afetivo de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade para garantir a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais.
Myrelle Motta
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