(Carta Capital, 24/11/2015) Provocados por organizações sociais, procuradores pedirão cancelamento de licenças de rádio e TV controladas por 40 senadores e deputados federais
Você pode até não saber que a prática é ilegal, tamanha sua frequência Brasil afora. Mas, segundo a Constituição Federal (art.54), políticos titulares de mandato eletivo não podem ser sócios ou associados de empresas concessionárias do serviço público de radiodifusão. Ou seja, políticos não podem ser donos de emissoras de rádio e TV.
A prática, porém, chega a fazer parte do imaginário da população brasileira, que se acostumou a ver “grandes nomes” da política local também como os proprietários dos meios de comunicação de massa de seus estados. Não à toa, os coronéis da mídia substituíram os antigos coronéis, e hoje dominam o espaço público da comunicação em todo o país.
Há muitos anos, organizações que defendem a democratização dos meios de comunicação e o respeito à Constituição denunciam esta prática. Não só porque nossa lei maior já a proíbe, mas porque seus efeitos para a saúde da nossa democracia são óbvios: favorecimento político, interferência no debate de ideias, violação do direito de acesso à informação, maculação de eleições livres, entre tantos outros.
Afinal, a tentação de um político dono de uma emissora certamente passará por usar o veículo para atacar seus adversários e elogiar seus aliados (ou sua própria gestão). E aí quem perde somos todos nós.
A população sabe disso. Em pesquisa realizada em 2013 pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo DataPopular, apesar de 35% acharem que a prática é permitida (como dissemos no início), 63% dos entrevistados se mostraram contrários à propriedade de meios por políticos. O mesmo estudo mostrou que 69% consideram que ser dono de TV ou rádio dá mais chances para que o candidato seja eleito. O estudo também revela que 44% da população não sabe que, para se ter uma emissora de rádio ou televisão, é necessária a autorização do Estado.
Os números não espantam. Nem o Ministério das Comunicações, que é o responsável pela fiscalização do setor neste sentido, dá bola para o problema. Diz que a lei proíbe o controle e a gestão dos canais, mas não a propriedade. E assim o coronelismo eletrônico continua.
O Ministério Público Federal, entretanto, percebeu que já passou da hora de algo ser feito. Com a autorização do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, procuradores de São Paulo receberam na segunda-feira 23 uma representação, assinada por diversas entidades da sociedade civil, entre elas o Intervozes, pedindo o cancelamento das concessões, permissões e autorizações de radiodifusão outorgadas a pessoas jurídicas que possuam políticos titulares de mandato eletivo como sócios ou associados.
No total, 32 deputados federais e 8 senadores são denunciados. As entidades também pedem a responsabilização da União, via Ministério das Comunicações, pela falta de fiscalização do serviço público de radiodifusão.
Elas lembram, no documento, que o próprio Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o tema. Na Ação Penal 530, a ministra Rosa Weber afirmou, em seu voto, que, “a proibição específica de que parlamentares detenham o controle sobre empresas de (…) de radiodifusão” visou evitar o “risco de que o veículo de comunicação, ao invés de servir para o livre debate e informação, fosse utilizado apenas em benefício do parlamentar, deturpando a esfera do discurso público”.
Para a ministra do STF, “democracia não consiste apenas na submissão dos governantes a aprovação em sufrágios periódicos. Sem que haja liberdade de expressão e de crítica às políticas públicas, direito à informação e ampla possibilidade de debate de todos os temas relevantes para a formação da opinião pública, não há verdadeira democracia”. E “para garantir esse espaço livre para o debate público, não é suficiente coibir a censura, mas é necessário igualmente evitar distorções provenientes de indevido uso do poder econômico ou político”.
O Ministério Público Federal de São Paulo concorda com a tese. Tanto que já ingressou com ação pedindo o cancelamento das licenças sob controle de três deputados federais do estado: Antônio Bulhões (PRB); Baleia Rossi (PMDB) e Beto Mansur (PRB). A expectativa das organizações agora é que, sendo a representação distribuída aos procuradores dos demais estados, uma série de ações contra os políticos donos da mídia pipoque Brasil afora.
O combate aos coronéis da mídia, entretanto, não se limita a deputados federais e senadores. Ele deve chegar também a parlamentares e chefes dos executivos estaduais e municipais, assim como em parentes e laranjas. Apesar de ser um problema antigo, esta briga, portanto, está apenas começando.
Confira abaixo a relação dos 40 deputados federais e senadores sócios de empresas prestadoras de serviços de radiodifusão que aparecem no Sistema de Acompanhamento de Controle Societário – Siacco, da Anatel:
Deputados Federais
1. Adalberto Cavalcanti Rodrigues, PTB-PE
2. Afonso Antunes da Motta, PDT-RS
3. Aníbal Ferreira Gomes, PMDB-CE
4. Antônio Carlos Martins de Bulhões, PRB-SP
5. Átila Freitas Lira, PSB-PI
6. Bonifácio José Tamm de Andrada, PSDB-MG
7. Carlos Victor Guterres Mendes, PMB-MA
8. César Hanna Halum, PRB-TO
9. Damião Feliciano da Silva, PDT-PB
10. Dâmina de Carvalho Pereira, PMN-MG
11. Domingos Gomes de Aguiar Neto, PMB-CE
12. Elcione Therezinha Zahluth Barbalho, PMDB-PA
13. Fábio Salustino Mesquita de Faria, PSD-RN
14. Felipe Catalão Maia, DEM-RN
15. Felix de Almeida Mendonça Júnior, PDT-BA
16. Jaime Martins Filho, PSD-MG
17. João Henrique Holanda Caldas, PSB-AL
18. João Rodrigues, PSD-SC
19. Jorginho dos Santos Mello, PR-SC
20. José Alves Rocha, PR-BA
21. José Nunes Soares, PSD-BA
22. José Sarney Filho, PV-MA
23. Júlio César de Carvalho Lima, PSD-PI
24. Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, PMDB-SP
25. Luiz Gionilson Pinheiro Borges, PMDB – AP
26. Luiz Gonzaga Patriota, PSB-PE
27. Magda Mofatto Hon, PR-GO
28. Paulo Roberto Gomes Mansur, PRB-SP
29. Ricardo José Magalhães Barros, PP-PR
30. Rodrigo Batista de Castro, PSDB-MG
31. Rubens Bueno, PPS-PR
32. Soraya Alencar dos Santos, PMDB-RJ
Senadores
33. Acir Marcos Gurgacz, PDT-RO
34. Aécio Neves da Cunha, PSDB-MG
35. Edison Lobão, PMDB-MA
36. Fernando Affonso Collor de Mello, PTB-AL
37. Jader Fontenelle Barbalho, PMDB-PA
38. José Agripino Maia, DEM-RN
39. Roberto Coelho Rocha, PSB-MA
40. Tasso Ribeiro Jereissati, PSDB-CE
Bia Barbosa, jornalista, mestra em gestão e políticas públicas (FGV/SP) e integra a Coordenação Executiva do Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Acesse no site de origem: Novo alvo do MPF: os políticos donos da mídia (Carta Capital, 24/11/2015)