(Tribuna do Ceará, 27/12/2015) Conhecida por sua luta feminista, Lola Aronovich fala ao Tribuna do Ceará sobre feminicídio, redes sociais e limites entre assédio e cantada
“A sociedade não está bem, a gente somente quer mudar isto. A luta é contra as opressões e não somente a questão da violência contra a mulher, por exemplo”. O comentário é de Lola Aronovich, 48 anos, nascida na Argentina, rodou o Brasil e hoje vive em Fortaleza. Com doutorado em literatura e língua inglesa em Detroit, nos Estados Unidos, atualmente ela é professora do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Responsável pelo blog “Escreva Lola Escreva”, um dos principais espaços de debate sobre o empoderamento da mulher na Internet, a professora define-se como feminista desde criancinha, nem curte maquiagem, nem se sente obrigada a ser mãe. Sua bandeira é por uma sociedade mais igualitária, onde homem e mulher convivam em respeito mútuo. Apesar de pregar o bem entre os sexos, ela já foi perseguida e já teve até um blog criado em seu nome com discurso de ódio.
Violência contra a mulher
Em entrevista ao Tribuna do Ceará, em mais uma de uma série de reportagens sobre o ano que ficou marcado pela violência extrema contra a mulher no Ceará, Lola Aronovich fala sobre as correntes do feminismo – dentro e fora do País -, feminicídio, redes sociais e os limites entre assédio e cantada.
Confira o bate-papo:
Tribuna do Ceará – Em linhas gerais, como pode ser o feminismo e suas principais pautas?
Lola Aronovich – O feminismo, em linhas gerais, é a luta pela igualdade. A linha principal levanta críticas a um projeto que não deu certo, o machismo. A sociedade não está muito bem. A gente gostaria de mudar. Mas a luta também é contra todas as opressões. Racismo, homofobia, todas estas estão conectadas. Geralmente quem é machista é homofóbico.
Tribuna – Quais as principais pautas do feminismo?
Lola – Há muitas correntes feministas e elas acabam brigando entre si. Há aquelas que defendem a prostituição, outras que são contrárias. Uma que defenda o abordo e há quem seja contra. Mas há também a luta contra padrões. Os padrões de beleza, de normalidade, de como tem que viver, de ter filhos, quebra de conceitos, além da bandeira contra a da violência doméstica.
Tribuna – Na sua opinião, por que o empoderamento da mulher gera tanta discussão e não é bem aceito ainda?
Lola – Bom, muita gente não quer muita mudança, que gostaria que a situação voltasse para a de décadas atrás. A gente mulher fala qualquer coisa e mandam a gente se calar. Fiquem quietas! Dizem eles. Cada vez que o feminismo avança, a reação também avança. Nos anos 60, 70, o feminismo chegou ao seu auge nos Estados Unidos. Naquela época, fizeram uma pesquisa e 80% das entrevistadas assumiam ser feministas. Hoje apenas 30% se intitulam como feministas. Tudo isso devido a opressão dos anos anteriores. A realidade é a mesma no Brasil. Há uma propaganda feminista muito forte.
Tribuna – Este ano a luta das mulheres ganhou um reforçou pontual com o tema do Enem, que foi justamente sobre a luta da mulher contra a violência. Além da aprovação da Lei do Feminicídio. Na sua opinião, como os órgãos governamentais podem ajudar na proteção à mulher e no combate à violência, por exemplo?
Lola – Realmente algumas coisas boas aconteceram, não foi somente coisa ruim (risos). Estive em Brasília recentemente para acompanhar as atividades da Casa da Mulher da Brasileira, é um projeto imenso. Lá são concentradas iniciativas como atendimento psicológico, sociológico entre outras. É um início, a proposta é muito boa. Claro que a gente espera muito mais dos órgãos governamentais, os índices de violência, por exemplo, são muito graves. Nós temos a Lei Maria da Penha, que é elogiada pela ONU, mas não adianta somente a lei, é preciso mais campanhas, mais voz feminina na mídia e aulas de gênero.
O tema do Enem foi maravilhoso. Você colocar uma questão sobre Simone de Beauvoir na prova em uma das provas mais importantes do país é muito importante para discussão sobre o tema. A escola precisa de mais aulas sobre a ideologia de gênero [crença segundo a qual os dois sexos — masculino e feminino — são considerados construções culturais e sociais]. A gente nasce em uma sociedade que ensina que o homem não chora, que menino não pode brincar de boneca. Isso tem que mudar.
“A gente nasce em uma sociedade que ensina que o homem não chora, que menino não pode brincar de boneca. Isso tem que mudar”.
Tribuna – O Brasil ainda registra anualmente um grande número de feminicídios. No Ceará este ano já foram mais de 200. A que isto se deve?
Lola – Isto também acontece em lugares ricos, mas em menos escala, é claro. Apesar de nos Estados Unidos a taxa de assassinatos de mulheres ser muito grande. São números de guerra, de atentados terroristas. Isto acontece devido ao patriarcado, ao machismo. O cara prefere matar a mulher do que vê-la com outro cara, mesmo quando a mulher já assumiu que não dá mais. A ONU classifica o assassinato de mulheres como uma praga mundial, uma verdadeira pandemia. 38% dos homicídios de mulheres no mundo são cometidos por companheiros ou ex-companheiros.
Tribuna – Atualmente muito se fala da questão do assédio. O fiu fiu na rua, até mesmo o estupro propriamente dito. Na sua opinião, qual o limite entre uma cantada e o assédio?
Lola – Fiu fiu na rua não é cantada, é terrorismo sexual. As mulheres já foram vítimas de estupro alguma vez na vida. Toda mulher tem uma história de horror para contar. A gente sempre tem uma história para contar. E isto começa muito cedo. Começa com meninas que têm 10, 12 anos. O cara chega e diz ‘vamos a um motel, vou te chupar todinha’. Ele está ali não é para cantar, ele está ali para dizer que é homem. ‘Esse lugar é meu e você deveria estar em casa’. É isso que passa na cabeça do homem.
Uma coisa é estar num ambiente de paquera, sentir pelos olhares se é legal ou não. Hoje muita gente se conhece pela internet e vai se encontrar depois, de forma respeitosa. Por exemplo, elogiar olhos verdes é diferente de eu quero te levar pra casa. Pior que isto tudo já vem acompanhado de um toque. E, se a mulher retruca, o cara já fica revoltado.
“38% dos homicídios de mulheres no mundo são cometidos por companheiros ou ex-companheiros”.
Tribuna – Neste cenário, a mulher tem “culpa” de alguma forma? Usar roupa curta, por exemplo, abre espaço para assédio?
Lola – A mulher tem que andar do jeito que ela quiser. Muitas vezes a roupa não tem nada a ver com essa história. Elas escutam grosseria. Não é só a mulher bonita e jovem que é estuprada. Idosa também sofre com isso. Mas acho que também que os homens não são incontroláveis, eles são racionais. Numa praia de nudismo não existe estupro por exemplo, mas na rua sim. É questão de poder do homem mesmo.
Tribuna – As redes sociais ampliaram a discussão sobre o assunto feminismo. Hoje todo mundo opina, infelizmente, muitas vezes de forma agressiva e como repressão ao feminismo. Na sua opinião, as redes sociais mais ajudam ou pioram a situação?
Lola – Bom, as redes sociais são fantásticas em muitos sentidos. Ela é mais uma voz das próprias mulheres. No começo, eu achava que todo mundo iria dar as mãos para aproveitar o espaço para lutar. Hoje, à medida que a gente consegue muita voz, o pessoal preconceituoso consegue mais ainda. Eles atacam em bandos. Atualmente, a ONU estima que 95% dos comportamentos agressivos na internet tenham como alvo as mulheres, e 75% das mulheres já foram alvo de alguma violência na internet. Sem contar que hoje há a ‘pornografia da vingança’. Elas são chantageadas por fotos e vídeos íntimos. Eu gostaria que as meninas pensassem bem quando gravarem um vídeo, por exemplo. Quando o relacionamento termina, o cara vai lá e divulga. Para o homem isso é legal, ela vai se gabar com os amigos, para a mulher é diferente.
Tribuna – Para a gente fechar, o que você recomendaria para a convivência pacífica entre homens e mulheres na sociedade atual?
Lola – Eu pessoalmente não vejo o atual cenário como uma guerra, não concordo que somos sexos opostos. Nós não somos de planetas diferentes tipo homens são de Marte e mulheres são de Vênus. O problema é que esse projeto de masculinidade deu errado, o que os faz violento. A força física é menos importante. Não ter por que valorizar isto, vamos nos respeitar como seres humanos, independente de gênero ou raça. Vamos parar para pensar.
Acompanhe a cobertura sobre o ano que ficou marcado pela violência contra a mulher no Ceará:
25 de dezembro – #Retrospectiva2015: Por que se mata tanta mulher no Ceará? No ano, foram mais de 200
26 de dezembro – #Retrospectiva2015: Relembre 7 assassinatos de mulheres que chocaram o Ceará no ano
27 de dezembro – #Retrospectiva2015: “Fiu fiu na rua não é cantada, é terrorismo sexual”, defende líder feminista
Acesse no site de origem: #Retrospectiva2015:“Fiu fiu na rua não é cantada, é terrorismo sexual”, defende líder feminista (Tribuna do Ceará, 27/12/2015)