Grávida torturada por Ustra diz que voto de Bolsonaro incita crime

22 de abril, 2016

(G1, 22/04/2016) Ex-guerrilheira do PC do B que combateu a ditadura militar (1964-1985), Crimeia Schmidt foi presa em dezembro de 1972 e levada para o DOI de São Paulo que, à época, estava sob o comando de Carlos Alberto Brilhante Ustra, o ex-coronel homenageado pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em seu voto a favor do impeachment na Câmara no último domingo (17).

Leia mais: 
Um retrato do torturador comandante Brilhante Ustra, segundo as suas vítimas (El País, 22/04/2016)
Por que a homenagem a torturadores e à ditadura militar não recebe punição (Nexo, 19/04/2016)

Criméia estava grávida de sete meses e diz que Ustra foi o primeiro a torturá-la no DOI-Codi. Ao saber que ela tinha sido presa com identidade falsa, já que vivia nesta época na clandestinidade após escapar da Guerrilha do Araguaia, Ustra foi até a sua cela aos gritos. A Guerrilha do Araguaia foi o maior combate rural contrário ao regime ditatorial.

Ao Blog, Criméia afirmou que foi espancada pelo ex-coronel, neste primeiro momento, até ficar desacordada. “Me espancou muito. Eu cheguei a perder a consciência. Ele me tirou da cela puxando pelos cabelos e me batendo na cara. Aí eu fui sendo arrastada por ele ali no corredor das celas, apanhando. Antes de subir as escadas, eu perdi a consciência e acordei na sala da tortura toda urinada”.

O martírio de Criméia estava só começando. Nos dias seguintes, ela continuou sendo torturada pela equipe de Ustra. “Era espancamento, palmatória nos pés e nas mãos, choque elétrico em partes do corpo durante o interrogatório contínuo. Teve uma vez que eu fiquei o dia, a noite e o outro dia, até bem noite, sendo torturada e interrogada”, conta a ex-militante.

Segundo ela, após aquele primeiro momento onde Ustra participou diretamente da tortura, ele entrava na sala durante as sessões para dar uns “tapas e safanões” nela e saía, deixando o resto sob o comando de sua equipe. Sabia, contudo, de tudo que ocorria contra ela em um órgão de Estado, construído originalmente com a função de proteger os brasileiros. No caso de Criméia, grávida, um médico foi chamado para apontar aos torturadores como eles deveriam proceder durante a tortura.

Ao chegar em casa de uma manifestação pró-Dilma neste domingo (17), a ex-guerrilheira disse que viu Bolsonaro dar o seu voto, definido por ela como chocante e lamentável. “É crime o que ele fez: apologia de Estado totalitarista”.

Segundo a Lei 7.170, de 1983, é “crime fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social” ou “incitar à subversão da ordem política ou social e à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições”.

Como informou o Blog esta semana, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estuda tomar medidas contra Bolsonaro por “clara apologia ao crime”. A OAB-RJ e o Instituto Vladimir Herzog pedem a cassação de seu mandato. A Procuradoria Geral da República vai analisar mais de 17 mil manifestações contra ele recebidas após o voto na sessão do último domingo.

Após ação movida por Criméia e dois de seus parentes, Ustra foi apontado pela Justiça como torturador, o primeiro militar brasileiro nesta condição por crimes durante a ditadura. O ex-coronel faleceu ano passado e o voto de Bolsonaro foi em “sua memória”.

Em 2007, escrevi, como repórter da revista “Época”, a reportagem “Torturado antes de nascer”. Nela, conto a história do filho de Criméia, João Carlos Grabois, que nasceu num hospital de uma guarnição do Exército de Brasília, em 13 de fevereiro de 1973, longe das mãos de Ustra, mas marcado por elas. Na ocasião da matéria, Joca, como é conhecido, acabara de ser reconhecido pelo Estado como preso político da ditadura quando ainda era apenas um feto, em sua vida intra-uterina. Leia aqui.

Matheus Leitão

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