(El País, 02/06/2016) O coletivo argentino ‘Ni Una Menos’ lança uma pesquisa para criar um índice de violência de gênero
“Alguma vez disseram alguma grosseria para você em público?”, “Alguma vez algum desconhecido tocou alguma parte do seu corpo sem seu consentimento?”, “Alguma vez seu cônjuge disse que você é tão desejável que não consegue não sentir ciúmes?”. Estas são três das perguntas incluídas na primeira pesquisa argentina sobre violência cotidiana contra a mulher, que será lançada nesta quinta-feira, dia 2 de junho, quando se completa o primeiro aniversário da mobilização de uma multidão contra os feminicídios Ni Una Menos.
A pesquisa exaustiva, que inclui quase 200 perguntas, foi elaborada pelas integrantes do coletivo Ni Una Menos, junto a especialistas de diversas áreas, para detectar violência psicológica, física, social, profissional, econômica, obstétrica e simbólica. O amplo leque de perguntas rastreia situações cotidianas que afetam as mulheres de todas as idades. Por exemplo, ter sofrido assédio de desconhecidos na rua, um tema que gerou um forte debate no ano passado na Argentina — onde as cantadas na rua são muito frequentes — em função do vídeo gravado por uma adolescente para denunciar o incômodo e o temor que tinha ao ouvir todo dia grosserias de um grupo de trabalhadores. Outras questões indagam se a entrevistada teve alguma vez medo de sofrer violência sexual ou se cruzou com exibicionistas, entre outras.
As profissionais devem responder se tiveram algum trabalho ou promoção negados por sua condição feminina, se mudaram suas tarefas ou se renunciaram a alguma capacitação pelo mesmo motivo. Às que são mães, pergunta-se sobre o comportamento da equipe médica durante o momento do parto. “A violência profissional e obstétrica são situações muito naturalizadas”, afirma a jornalista Ingrid Beck, uma das criadoras da campanha “Conte sobre a violência machista”. “Acredito que não haja nenhuma mulher que não clique ‘sim’ pelo menos uma vez”, acrescenta.
O cônjuge — seja o atual ou anteriores — é outro eixo da pesquisa, não sem motivo: mais da metade dos feminicídios ocorrem no seio da família e os especialistas afirmam que há sinais de alerta anteriores às agressões, como o controle, as tentativas de afastamento de familiares e amigos e a humilhação, entre muitos outros. “É o que se conhece como círculo da violência”, diz Beck.
Além disso, pergunta também sobre situações de violência econômica, como “restringiu seu uso de dinheiro?”, “ameaçou deixar de pagar alguma coisa se não fizesse o que ele dizia?” e “impediu você de usar seu dinheiro”, entre outras.
O questionário, que ficará aberto durante três meses, é anônimo e inclui apenas perguntas sobre a idade, o nível educacional e a renda familiar para poder fazer estatísticas com esses critérios. Com as respostas obtidas, será realizado o primeiro índice nacional de violência de gênero, destinado a dar visibilidade às agressões que as argentinas sofrem e saber se decidem denunciá-las ou não. “Queremos saber qual é a situação”, afirma Beck, que lamenta a ausência de estatísticas sobre o tema.
Só os feminicídios, a forma mais extrema de violência de gênero, conta com registros na Argentina: o da associação civil Casa del Encuentro, elaborado a partir de recortes de jornal, e o produzido em 2015 pela Suprema Corte a partir de ações judiciais de 2015. Segundo o primeiro deles, 286 mulheres foram assassinadas por violência de gênero na Argentina.
Mar Centenera
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