(El País, 16/06/2016) O caso da adolescente de 16 anos estuprada pelo menos duas vezes e por vários homens em uma favela carioca chocou o país, mas está longe de ser um caso raro no Rio de Janeiro: a violência sexual é, de longe, a maior ameaça para as mulheres fluminenses. O Estado foi cenário em 2015 de 4.128 estupros, cerca de 9% dos estupros denunciados em todo o Brasil se considerarmos os últimos dados de 2014 do Anuário de Segurança Pública. O número revela uma violência assustadora: a cada duas horas, uma mulher é estuprada no Rio de Janeiro.
As principais vítimas de estupro são menores de 14 anos e em mais de 30% dos casos a violência sexual vem de um agressor conhecido. Os dados são do Instituto de Segurança Pública, órgão da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, que há 11 anos dedica um capítulo especial à violência sofrida por mulheres no Estado. “Os dados são preocupantes, apesar de haver uma redução do número de denúncias com relação a 2014, porque essa redução significa que a subnotificação aumentou. Percebemos também que houve uma desarticulação dos serviços públicos de atendimento à mulher, como casas de atendimento e núcleos de defesa dos direitos da mulher, que tinham um peso importante”, avalia Andreia Soares Pinto, uma das coordenadoras do estudo.
O estudo traz, pela primeira vez, dados sobre o assedio sexual e importunação ofensiva ao pudor, crimes ainda silenciados e até naturalizados. O detalhamento acontece em sintonia com a onda de manifestações feministas, campanhas como a do #meuprimeiroassedio, que revelou como os abusos sexuais são mais rotineiros do que imaginamos, e a indignação coletiva diante o caso de estupro da adolescente carioca.
Em 2015, 134 mulheres denunciaram assédio sexual, restrito por lei, geralmente, a ambientes de trabalho porque implica uma relação hierárquica do abusador. Apesar de o crime ser castigado com até dois anos de detenção, verificou-se que em 72,4% dos casos foram enquadrados como crimes de menor potencial ofensivo.
O mesmo acontece com a importunação ofensiva ao pudor, denunciado por 610 mulheres no ano passado e que abrange de encoxadas no transporte público à gravação das partes íntimas da vítima, mas que apenas é castigado com uma multa. A denúncia, no ultimo final de semana no Rio, de uma mulher que foi gravada no banheiro de um bar por um garçom, apesar dos comentários inquisidores do resto de clientes contra a vítima, escancarou como são minimizados abusos que levam, pelo menos, duas mulheres por dia a procurar uma delegacia. “Para mim era mais fácil deletar os vídeos e ir embora. Mas passo por tudo isso porque as pessoas não podem achar que isso é normal. Que não é normal que, depois disso, eu me preocupe em fazer xixi duas vezes no trabalho para evitar ter que fazer na rua, que não é normal que não haja mulher na delegacia, que não é normal a reação das pessoas”, disse a vítima ao EL PAÍS, após passar quatro horas na delegacia, onde não encontrou uma mulher que a pudesse atender.
Nesses casos, a coordenadora do estudo Soares avalia que endurecer as penas não é, necessariamente, o melhor caminho: “Eu acredito que conscientizar é uma via mais rápida. Muitas dessas mulheres não entendem que tenham sofrido violência, por conta de uma educação que se acostuma a esse tipo de hábito. É preciso colocar em debate se essas violações devem ser julgadas de uma forma mais dura. Deve partir da sociedade”.
Vítimas de crime comum
Os abusos sexuais não são os únicos onde elas lideram o número de vítimas. Cerca de 64% das denunciantes do crime mais comum no Estado, a lesão corporal dolosa [intencionada], são mulheres, a maioria delas agredidas nas suas próprias casas. Os homicídios por outro lado, que acabam com a vida principalmente de homens jovens e negros, têm um capítulo obscuro no Rio quando se trata de mulheres. No Estado, a média de assassinatos de mulheres em 2015 foi de quase uma mulher morta ao dia: 360 mulheres assassinadas. A taxa de homicídio de mulheres no Rio em 2014, 4,9 em cada 100.000 mulheres, chegou a superar a taxa nacional de 4,8 registrada em 2012 e 2013, os últimos anos disponíveis no Datasus. “O perfil das vítimas não muda e continua reproduzindo patrões culturais machistas. A maioria das mulheres vítimas de violência tem trabalho e renda e grau de instrução, o que derruba a ideia de que só a mulher da favela ou pobre é vitima de violência doméstica”, complementa Soares. “Ela atua em todos os níveis sociais”.
María Martín
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