(A Pública, 15/06/2016) Ao dizer que um jovem negro morre a cada 23 minutos no Brasil, relatório do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) tirou dados do contexto e usou informações desatualizadas
“A cada 23 minutos ocorre a morte de um jovem negro no Brasil” – frase do relatório final da CPI do Senado sobre o assassinato de jovens, elaborado pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ)
A informação contida no relatório da CPI sobre o assassinato de jovens, de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), distancia-se da realidade por tirar os dados do contexto em que foram apurados. Com isso, faz uma confusão sobre a morte de jovens negros no Brasil.
A assessoria do parlamentar remeteu ao Truco no Congresso – projeto de fact-checking da Agência Pública, feito em parceria com o Congresso em Foco – a fonte de onde foi extraído o dado, o Mapa da Violência 2014 – os jovens do Brasil. O documento tem como base o ano de 2012, quando foram assassinados 23.160 jovens negros – que, na contabilidade do relatório, engloba os pardos (20.636) e pretos (2.524). Como um ano tem 525.600 minutos, obteve-se o resultado de um homicídio a cada 22 minutos e 41 segundos de negros entre 15 e 29 anos, número próximo dos 23 minutos apontados no relatório.
Além do potencial de causar confusão por misturar pardos e pretos sem clara menção à metodologia, o cálculo apresentado no relatório deixou de fora as outras causas de mortes violentas levantadas pelo Mapa – acidentes de transporte e suicídios –, para as quais o estudo não apresenta pormenorização segundo a cor das vítimas. Embora seja compreensível, já que se tratava de uma CPI sobre o assassinato de jovens, o uso do termo “morte” está equivocado.
Para se ter uma ideia, entretanto, do impacto dos outros parâmetros, em 2012 o número de assassinatos correspondeu a 38,7% das mortes de pessoas entre 15 e 29 anos (sem distinção por cor), enquanto outros 19,7% morreram em decorrência do trânsito e outros 3,7% tiraram a própria vida. Ou seja, os homicídios (30.072) representaram 62,32% das mortes violentas de jovens em geral – ou um episódio a cada 17 minutos e 28 segundos. Daí conclui-se que, incluídas as três causas, o número total de mortes violentas de jovens (48.254) dividido ao longo do ano resultaria em um caso a cada 10 minutos e 53 segundos.
Outro ponto que deve ser observado é o da atualidade. Antes de anunciar a média de 23 minutos, o relatório da CPI alerta que os “índices atuais assumiram níveis gritantes”. Mesmo considerando somente os homicídios, os índices mais recentes disponíveis, na verdade, são de 2013, e não a 2012, tendo como base o mesmo conjunto de dados utilizados pelo Mapa da Violência, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde – único parâmetro confiável para aferir nacionalmente este tipo de informação.
O SIM mostra que, em 2013, foram assassinados 30.213 jovens, entre brancos (6.276), pretos (2.460), pardos (19.382), amarelos (13) e indígenas (57) – distinções de cor estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outros 2.025 jovens não tiveram a identificação deste parâmetro. Assim, seguindo a metodologia do Mapa da Violência, o somatório de pretos e pardos resulta em 21.842 negros entre os 15 e 29 anos vítimas de homicídios em 2013 – ou um registro a cada 24 minutos e 3 segundos, índice de mortalidade inferior aos 23 minutos referentes a 2012. Assim, a afirmação de que “a cada 23 minutos ocorre a morte de um jovem negro no Brasil” é imprecisa.
Ao ser questionada novamente, a assessoria do senador Lindbergh Farias explicou que, dado o tempo limitado de uma CPI, preferiu utilizar dados já consolidados e reconhecidos pela comunidade acadêmica, como é o caso do Mapa da Violência – de onde vieram as informações para o cálculo dos 23 minutos. Disse também que números mais recentes revelados pela CPI sobre temas específicos – como autos de resistência e desaparecimentos em 2014 e 2015 – são mencionados no texto e constam na íntegra nos anexos do relatório final.
A equipe do senador disse ainda que o uso do termo “negro” foi demandado frequentemente nas audiências públicas, por especialistas e integrantes do movimento negro ouvidos nos debates, e explicou que no contexto da CPI o uso de “morte” em substituição de “homicídio” faz sentido, pelo contexto.
A assessoria do senador disse, por fim, qLindbergh Fariasue reconhece a pertinência dos questionamentos levantados e que vai incorporar as observações do Truco no Congresso, detalhando na versão impressa da CPI, em fase de elaboração, a metodologia de seleção dos dados e os conceitos utilizados, possivelmente por meio de notas de rodapé.
Étore Medeiros
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