(Isto é, 08/07/2016) Seis meses após o ápice de uma das maiores epidemias já registradas no Brasil, como sobrevivem os bebês infectados pelo vírus e suas famílias.
Quando a família de Jennifer Catarine Oliveira da Silva, de 22 anos, soube que seu filho, o pequeno Cauã Vinícius, de um ano e oito meses, nasceria com uma malformação cerebral, todos se desesperaram. Sem informações sobre a complexidade da microcefalia, doença que já acometeu 1.638 bebês em todo o País, ela descobriu no dia a dia as limitações que Cauã desenvolveria e as dificuldades que enfrentaria para criá-lo. Vanessa Amanda dos Santos, de 26 anos, mãe de João Vitor Lino da Silva, de 2 anos e 10 meses, só foi informada de que se tratava da doença causada pelo zika vírus quando o bebê teve convulsões que a obrigaram a levá-lo às pressas ao hospital. Solange de Souza Ferreira, de 40 anos, teve de se mudar de Santa Cruz do Capibaribe para Bonito, a 200 quilômetros de Recife, para conseguir atendimento médico a José Wesley, de nove meses, também com microcefalia. As três mulheres tiveram suas vidas transformadas e hoje fazem parte de um grupo de famílias que enfrentam o abandono do Estado no atendimento às crianças atingidas pela epidemia justamente no epicentro dela, a cidade de Recife. “Os serviços são ineficientes, existem poucos médicos, os diagnósticos demoram e não há espaço adequado às terapias”, diz Michelle Cristina da Silva, coordenadora do Centro de Reabilitação e Valorização da Criança (Cervac).
Apesar de o governo federal ter anunciado no início do ano que mães de crianças com microcefalia teriam prioridade para receber um benefício em dinheiro do INSS, muitas não conseguem a ajuda prometida. Na maior parte dos casos, as mulheres se vêem obrigadas a deixar de trabalhar para dar atenção integral a seus filhos. É o caso de Vanessa, que abandonou o trabalho de diarista para cuidar de Cauã. Ela recebe o benefício de R$ 800 para cobrir as despesas, mas seus custos vão muito além disso. “Ele usa uma cadeira de rodas doada que está ficando pequena. O dinheiro que ganho vai para medicamentos, fraldas e alimentação”, diz. Em fevereiro, o Instituto de Medicina Integral Fernando Figueira (Imip), no Recife, foi equipado para dar atendimento prioritário aos bebês com problemas e alterações relacionadas ao zika. No entanto, mães que procuraram o hospital relataram que não havia vagas para as crianças começarem a fazer fisioterapia, terapia ocupacional e estimulação visual.
Para cobrir os gargalos deixados pelo Estado, uma rede de apoio formada por organizações não governamentais, centros comunitários e entidades privadas sem fins lucrativos estão se mobilizando para oferecer atendimento específico e contínuo às crianças. Para combater a onda da infecção, o Cervac, em parceria com a ONG Visão Mundial, que atua nas regiões mais pobres do País, abriu em janeiro um espaço com 30 vagas para bebês com malformação cerebral que precisam de tratamentos de reabilitação. “O poder público não se preparou devidamente para atender às conseqüências do boom de casos de gestantes infectadas pelo zika vírus”, afirma Rafaela Pontes, gerente de programas sociais da entidade no Recife. “A saúde pública já não funciona bem e, em casos como esses, que exigem acompanhamento regular, é pior ainda.” Os hospitais que prestam atendimento especializado estão localizados na capital, o que impõe a dificuldade do acesso às famílias. Além disso, as terapias são oferecidas apenas uma vez por semana. “No Imip eram só 20 minutos de fisioterapia. É muito pouco para uma criança que não tem movimento nenhum”, diz Maria da Conceição Oliveira Silva, de 40 anos, avó de Cauã.
Para levar Cauã ao médico, Maria da Conceição utiliza dois transportes públicos. E, não raro, quando chega ao hospital não é atendida por uma equipe especializada. “Temos assistência de neurologistas uma vez por mês e em casos de emergência quem dá uma olhada é a pediatra”, diz ela. Vanessa, mãe de João Vitor, também aguarda retorno do Imip para saber se haverá vaga. “Ele não anda, nem fala. Era para ter acompanhamento de fonoaudiólogos e fisioterapeutas, mas ainda estamos esperando uma resposta”, afirma. Enquanto isso não acontece, ele começará a fazer a estimulação pelo programa do Cervac e da Visão Mundial. José Wesley, que até junho fazia exercícios de reabilitação em casa, começou um tratamento com ajuda das instituições. Enquanto isso, aguarda o Estado cumprir seu dever, já que não protegeu sua mãe do zika.
Fabíola Perez
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