(BBC Brasil, 10/08/2016) Uma das melhores equipes da competição de futebol feminino da Rio 2016 até agora, a seleção brasileira é cotada com uma das favoritas para uma medalha. Mas a equipe, de certa forma, já parece ter garantido um título na competição: o de xodó do público.
E não apenas por causa da campanha – em três partidas, já marcou oito gols e sofreu apenas um, garantindo passagem para as quartas de final. Marta, Formiga e companhia marcaram pontos com uma postura de humildade que contrasta com a “greve de silêncio” que marcou a equipe masculina.
Um incidente, por sinal, deflagrado pela campanha decepcionante de Neymar & cia – houve empates sem gols contra África do Sul e Iraque, e a seleção ficará fora da disputa se não vencer a Dinamarca nesta quarta-feira, em Salvador.
Neymar foi alvo particular de protestos da torcida, que em vários momentos entoaram um canto dizendo que “Marta é melhor”.
Nas redes sociais, circulou uma imagem de um pequeno torcedor brasileiro usando uma camisa da seleção em que o nome do atacante do Barcelona fora riscado e o de Marta escrito com marcador no lugar.
Há também uma diferença de narrativas: enquanto jogadores masculinos, como Neymar, recebem salários com os quais a maioria dos brasileiros pode apenas sonhar, no futebol feminino os recursos são bem mais escassos.
Em jogo na terça-feira, a torcida delirava sempre que Marta tocava na bola. O Brasil não encantou como nos dois primeiros jogos e apenas empatou em 0 a 0 contra a África do Sul.
Mesmo assim, a seleção garantiu uma vaga para a próxima fase da competição e foi aplaudida no fim da partida.
E não se trata apenas de diferenças salariais. Em uma entrevista ao jornal britânico The Guardian, a jogadora chilena Dania Cabello relatou a disparidade de mundos que viu no Brasil ao passar um período no Santos, em 2006.
“Durante os treinos, tínhamos que esperar em nossos quartos na hora do almoço. Enquanto os jogadores almoçavam no refeitório, recebíamos bandejas. Era como se recebessemos sobras”, contou Cabello, lembrando ainda que o time vestia uniformes masculinos usados e precisava treinar nas areias do balneário paulista porque o campo de treinamentos era ocupado poir um dos times juvenis do Santos.
Ironicamente, o time foi extinto em 2011, como parte de um pacote de cortes feitos pela diretoria do clube para tentar custear a presença de Neymar – ele acabou sendo vendido pelo Santos ao Barcelona em 2013.
Apesar de dois vice-campeonatos olímpicos e um mundial, o futebol feminino no Brasil sofre com a falta de estrutura, investimento e mesmo popularidade fora de grandes competições e fora da região Sudeste.
O treinador da seleção, Vadão, preocupa-se também com a falta de um programa nacional de desenvolvimento de atletas e de maior investimento na base.
“Diferentemente de outros países, começamos a casa pelo telhado e depois pensamos nos alicerces. Muitas meninas chegam ao time principal sem nenhuma experiência de competições. Não podemos esperar que ganhemos torneios para que a modalidade se desenvolva”, disse ele na segunda-feira.
Mas Vadão não é fã das comparações com o masculino, em especial as mais diretas envolvendo Marta e Neymar.
“Essa comparação não vai nos levar a nada e não é saudável para o futebol brasileiro. São o mesmo esporte, mas jogos diferentes. É a mesma coisa que pegarmos nossa melhor velocista e compará-la com o Usain Bolt.”
Porém, muitas comparações feitas pelo público e a mídia ressaltam o fato de Marta já ter sido eleita cinco vezes a melhor jogadora do mundo, honraria que Neymar não obteve.
E, embora Marta também fuja das comparações, até por ter boa relação com Neymar, ela não deve ter ficado insatisfeita ao saber que, na TV brasileira, as audiências das partidas entre os times masculino e feminino na Rio 2016 são praticamente as mesmas, segundo levantamento de sites de notícias brasileiros.