(Folha de S.Paulo, 24/08/2016) O corpo de Caroline, 28, foi encontrado com um corte na barriga. Estava grávida de cinco meses e recorreu uma clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Escondeu a gravidez da família e decidiu interromper a gravidez em comum acordo com o namorado.
Pegou um ônibus sozinha em Paraíba do Sul, centro fluminense, onde morava com a família, na madrugada do dia 19. Duas horas depois, chegava à rodoviária do Rio. O corpo foi encontrado na noite do mesmo dia. O caso está na 21ª DP (Bonsucesso).
A morte de Carolina se soma a de Jandira Cruz, 27, e de Elisângela Barbosa, 32, que em 2014 também morreram no Rio após abortos clandestinos. O corpo de Jandira foi encontrado carbonizado. O de Elisângela, numa vala. A autópsia encontrou um tubo plástico no interior do útero.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que a cada dois dias uma mulher brasileira morra vítima de aborto legal. Há estudos que mostram que até 1 milhão de abortos ilegais são feitos todos os anos no Brasil. Os números são imprecisos já que a clandestinidade define esse submundo.
Mas as mortes que chegam à imprensa são suficientes para revelar o sintoma gravíssimo de saúde pública que o aborto representa no país. Diante de uma população na maioria católica e evangélica, o debate público praticamente inexiste.
Gestores e políticos, mais preocupados com interesses eleitorais, também pouco se importam com essas mulheres pobres que morrem desamparadas. Ou com aquelas que ficarão para sempre com sequelas físicas e emocionais. Claro. Com suas mulheres, suas filhas e suas irmãs, isso dificilmente vai acontecer, já que, caso elas decidam abortar, podem contar com a melhor assistência.
É obrigação do Estado laico proteger a saúde de suas mulheres, para que não morram em procedimentos clandestinos. O tema não pode continuar objeto de barganha para apoio e voto religioso.
Mulheres de todas as classes sociais, muitas vezes casadas e com religião, fazem aborto. Isso é fato, referendado por muitos estudos. O fato de ser crime não diminui as ocorrências, pelo contrário, só piora. Provoca mortes e esterilidade daquelas que, sem condições de pagar por uma assistência médica segura, recorre à clandestinidade.
No Uruguai, onde a prática deixou de ser crime em 2012, não houve mais mortes por aborto, segundo dados do governo. O número de procedimentos também caiu, de 33 mil por ano para 6.700. São sinais de que trazer o aborto para debate amplia a discussão de métodos anticoncepcionais e planejamento familiar.
AMPLIAÇÃO DO ABORTO LEGAL
Em tempos de zika e que um grupo pede nesta quarta (24) a ampliação do aborto legal para as mulheres infectadas pelo vírus da zika, a discussão ganha força. Um ótimo momento para cada um de nós fazer a seguinte pergunta: vamos continuar assistindo impassíveis a entrega das nossas mulheres aos carniceiros e depois recolher seus corpos mutilados e carbonizados?
Acesse o PDF: Vamos continuar a recolher corpos de mulheres mutilados e carbonizados?, por Cláudia Collucci (Folha de S.Paulo, 24/08/2016)