Especialistas lamentam que candidatos não tenham propostas contra epidemias
(O Globo, 12/09/2016 – Acesse no site de origem)
A emergência sanitária internacional contra o zika acaba de ser renovada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas há um lugar na Terra onde o Aedes aegypti desapareceu. Nem sinal do mosquito nas campanhas eleitorais municipais. Para especialistas, o compromisso de combater os focos do transmissor de dengue, zika e chicungunha deveria estar entre as prioridades assumidas por todos os candidatos. Mas não é isso o que se vê.
Em trégua aparente no inverno, o mosquito estará no auge de sua temperada quando os prefeitos eleitos assumirem em janeiro, no literal calor do verão. Faz parte das atribuições dos municípios fazer controle de focos e enviar os dados que abastecem o Levantamento de Índice Rápido do Aedes aegypti (Liraa). A despeito disso, nenhuma menção explícita na campanha ao controle dos focos de Aedes. E nada de zika, dengue e chicungunha nas propostas de governo dos candidatos à prefeitura do Rio.
— O trabalho de controle de focos deve ser permanente e destacado. O mosquito é um inimigo poderoso da população. E combatê-lo cabe a todas as esferas, incluindo a municipal — afirma o virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, o único brasileiro do comitê de emergência em zika da OMS, considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto.
Vasconcelos, que trabalha no desenvolvimento de uma vacina contra o zika, diz que a maior arma do Brasil contra a doença é controlar o mosquito.
— A vacina é importante, mas não resolverá sozinha. A única coisa realmente eficiente e essencial é erradicar focos e combater a proliferação do Aedes — diz ele, que é diretor do Instituto Evandro Chagas, em Ananindeua, no Pará, um dos centros pioneiros no estudo do vírus.
Cerca de 1,5 milhão de casos
Desde que o zika chegou ao Brasil foram contabilizados 1,5 milhão de casos.
— É uma estimativa conservadora e 90% dos casos ocorreram no Nordeste. Já no verão de 2016/17, a expectativa é que o vírus se espalhe por Sudeste e Sul. Embora parte da população tenha sido exposta, existe perigo real de uma epidemia grande. Nunca se pode esquecer que é um vírus capaz de causar efeitos devastadores em fetos e doenças neurológicas em adultos. Governantes e candidatos precisam demonstrar comprometimento — observa o virologista.
Vasconcelos está preocupado também com o chicungunha.
— O Aedes é propagador de doenças. Podemos ter vacinas para dengue e zika e continuaremos a sofrer com o chicungunha. Esse vírus permanece como grande ameaça. Está persistente e o risco de causar epidemias em várias partes do país é alto no próximo verão.
Ele lembra que é fundamental educar a população, melhorar o saneamento e a coleta de lixo. Mas isso não elimina a necessidade do controle de focos. O cientista Mario Alberto Cardoso da Silva-Neto, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, da UFRJ, desenvolve plantas transgênicas para ajudar no combate ao mosquito. Mas frisa que é essencial o trabalho dos agentes de saúde que vistoriam casas e orientam a população.
— Esse trabalho precisa acontecer o ano todo. E quem se candidata aos governos municipais precisa garantir que será feito. A maioria dos focos está dentro das casas das pessoas. Sabemos que o Aedes está muito resistente a inseticidas e cada vez mais difícil de controlar. Estará ativo durante todo o verão — destaca Silva-Neto.
Demandas de saúde pública
Outro que considera importante que o mosquito e suas doenças entrem na pauta de campanha é o professor da UFRJ Pedro Lagerblad de Oliveira, que investiga a bioquímica do Aedes:
— O mosquito é um imenso problema de saúde pública. Chicungunha, por exemplo, tem sido confundida com dengue e zika. É doença muito grave, deixa sequelas, muitos dias perdidos de trabalho. O Aedes precisa ser combatido o ano inteiro em várias frentes.
Ele está apreensivo também que os novos prefeitos resolvam colocar em prática uma experiência que a comunidade científica considera perigosa.
— Já cogitaram usar aviões para pulverizar inseticida nos municípios. Essa é uma das ideias mais catastróficas que um prefeito poderia tomar. Uma sandice. Primeiro, porque o mosquito fica quase sempre dentro dos domicílios. Ficaria a salvo. Mas a população seria exposta a inseticida, que poderia matar insetos benéficos e intoxicar aves e outros animais. Uma tragédia. Espero que nenhum prefeito eleito leve esse plano cogitado na esfera federal adiante — diz Oliveira.
Especialista em controle biológico do Aedes, o professor Richard Samuels, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), gostaria de ver candidatos se comprometerem com medidas simples como o monitoramento de focos.
— É fundamental para a saúde pública o compromisso com o combate ao Aedes. É emergência, prioridade. Custa tão pouco. Mas não tem visibilidade.
No Grande Rio, os mosquitos não dão sossego nem no inverno. Cheio de casos de dengue, chicungunha e zika no início do ano, Olinda, em Nilópolis, continua infestado de mosquitos.
— Eles não dão paz. E nos fazem temer pelo verão — afirma o mestrando em Ciências Farmacêuticas da UFRJ Alan Menezes. No verão passado, parentes e vizinhos de Menezes caíram doentes com zika. O que vem aí é só incerteza.