Uma funcionária do Instituto Lula foi vítima de agressão de conteúdo misógino e sexual, na tarde desta terça (13), na porta de um restaurante perto do seu local do trabalho, no bairro do Ipiranga, em São Paulo.
(Blog do Sakamoto/UOL, 13/09/2016 – acesse no site de origem)
Ao ouvir a conversa de colegas de trabalho que estavam com ela durante o almoço e perceberem que eles trabalhavam no instituto, seis homens se aproximaram e passaram a chamá-los de ladrões. Quando ela sacou um celular para registrar os xingamentos, um dos homens retirou o pênis da calça e disse que ela deveria fazer sexo oral nele. Depois de um momento, repetiu a cena.
Quando os presentes reclamaram, eles saíram rindo do local. Os homens – fotografados por outros clientes, ainda não foram identificados. Testemunhas presenciaram o ocorrido e um boletim de ocorrência foi lavrado em uma Delegacia de Polícia.
O artigo 233 do Código Penal considera que ”praticar ato obsceno em lugar público ou aberto ou exposto ao público” prevê de três meses a um ano de detenção mais multa. Mas o que aconteceu não foi apenas um ato obsceno ou uma ação tresloucada de um analfabeto político ou de um maníaco, mas uma agressão bem mais estrutural.
A agressão sofrida pela trabalhadora se utilizou de misoginia e violência sexual para demonstrar ódio político e intolerância social. Pois não basta ignorar um enfrentamento de ideias através do diálogo limpo e, ao mesmo tempo, tripudiar e ofender um posicionamento político diferente do seu – o que já é um absurdo em um ambiente que se pretende uma democracia. Isso é feito de forma violenta, para que não se deixe dúvidas: uma mulher que não aceita o lugar de silêncio e os xingamentos que lhe são impostos deve ser calada com um pênis em sua boca.
O ator Alexandre Frota, durante uma entrevista a um programa de TV, narrou um caso de violência sexual do qual foi protagonista contra uma mãe-de-santo e a plateia, em deleite, riu como se fosse uma piada. Acusado por organizações sociais de estupro e de apologia ao estupro, deu de ombros.
O deputado federal Jair Bolsonaro, durante um debate com a também deputada federal Maria do Rosário, afirmou: ”Jamais iria estuprar você, porque você não merece”. Ao dizer que ela não merecia ser estuprada, deixando claro que há mulheres que merecem, sabia que seu discurso receberia o apoio de uma quantidade considerável de pessoas. Tornou-se réu no Supremo Tribunal Federal por afirmar isso a um jornal, mas parte de seus seguidores dizem que ele está sendo injustiçado e que a deputada realmente merece isso. Ele conta com uma considerável intenção de voto, principalmente entre as classes mais ricas segundo as recentes pesquisas de opinião.
Em outras palavras, uma sociedade na qual há espaço para defender e glorificar atos como os de Frota e Bolsonaro ou, ainda, como os que realizaram estupros coletivos no Rio de Janeiro ou no Piauí, não é uma sociedade doente. Pelo contrário, é uma sociedade em que parte de seus membros acreditam, dentro de suas perfeitas faculdades mentais, que homens devem mandar e mulheres (principalmente negras), obedecer.
Vivemos em uma sociedade que garante que a violência de gênero continue a ser um instrumento de poder, de dominação, de humilhação. Uma sociedade na qual uma agressão ao corpo e/ou à mente de outro ser humano é banalizada, menosprezada e tratada como piada ou como válida punição por suas opiniões. Uma sociedade em que mulheres ainda são consideradas objetos descartáveis à disposição dos homens.
Quando mulheres são sistematicamente abusadas, não apenas seus corpos e almas são violentados. E a dignidade de toda a sociedade é coletivamente agredida e negada. Porque falhamos profundamente em garantir um dos direitos mais fundamentais.
E se isso acontece junto a discursos que louvam e relativizam essa violência, podemos começar a nos questionar que tipo de povo somos nós. Pois não importa quais as ideias defendidas por alguém, à direita ou à esquerda, ou a qual partido político pertencem. Não há qualquer justificativa aceitável para o contraponto ser dado na forma de um abuso como esse.
Vale lembrar que violência sexual não é monopólio de determinada classe social e nível de escolaridade. Quem espanca e violenta pode ter apertado o sinal de parada do ônibus ou roçado o banco de couro de um BMW. O que une os diferentes no Brasil, afinal de contas, não é o futebol, a religião ou a comida. É a violência de gênero.
A cultura de estupro é um ”privilégio” masculino, que vem sendo derrubado pelo feminismo ao longo do tempo, mas com dificuldade, porque encontra a resistência de homens pelo caminho.
Nós, homens, temos a responsabilidade de educarmos uns aos outros, desconstruindo nossa formação machista, explicando o que está errado, impondo limites ao comportamento dos outros quando esses foram violentos, denunciando se necessário for. O constrangimento público é uma arma poderosa e precisa ser usada insistentemente. As pessoas precisam entender que o seu discurso e suas atitudes violentas não cabem mais no ambiente em que estão.
Todos nós, homens, de esquerda, de direita, de centro, somos sim inimigos até que sejamos devidamente educados para o contrário. E, tendo em vista a formação que tivemos e a sociedade em que vivemos, que autoriza e chancela comportamentos inaceitáveis, é um longo caminho até que isso aconteça.
(*) A identidade da funcionária foi omitida para preservar sua integridade.