Falar de homens no feminismo é muito complicado. Falar de feminismo para homens, ainda mais. Tratamos os dois como termos opostos e excludentes, como se um jamais pudesse pertencer ao universo do outro. E ao fazermos isso dificultamos a construção de uma sociedade mais igualitária e mais justa para mulheres e homens.
(O Estado de S. Paulo, 03/11/2016 – acesse no site de origem)
Pensando nisso, a ONU produziu o documentário “Precisamos falar com os homens? Uma jornada pela igualdade de gênero”, lançado esta semana. O filme, disponível no Youtube, vem para discutir exatamente como incluir os homens nas conversas pela igualdade e para relembrar como o machismo também os afeta.
Foi uma bola super dentro, uma discussão atualíssima e no tom certo, sem jamais cometer a heresia de dizer que homens e mulheres são afetados pelo machismo da mesma maneira. Sim, o machismo mata mulheres e mata homens também, os estereótipos aprisionam ambos os gêneros, mas são as mulheres as mais prejudicadas. São as mulheres as violentadas e que precisaram e precisam lutar por direitos básicos já garantidos aos homens há muito tempo. As mulheres são, em geral, as vítimas da violência e os homens os agressores.
Deixando isso muito claro, o filme discute o que a igualdade de gênero traz de benéfico para os homens. Mostra ótimos projetos de reeducação e discussão de masculinidades e seus incríveis resultados. É um documentário muito didático e com grande potencial para atingir em cheio seu público alvo. O filme, parte do projeto “Eles por elas” da ONU, foi acompanhado da divulgação de uma extensa pesquisa sobre o assunto, que pode ser acessada aqui.
Um dos resultados da pesquisa chama muito a atenção: mesmo as pessoas que têm um pensamento menos machista ainda reproduzem em seu dia a dia diversos comportamentos machistas. É um lembrete de que o simples entendimento de que o machismo existe não transforma ninguém em santo ou em alguém livre de comportamentos violentos. É preciso que nos reeduquemos todos os dias, é preciso ir além do discurso e mudar nossas atitudes.
Estamos em um momento de discutir o papel do homem na luta contra a desigualdade de gênero, e por isso o filme é uma contribuição essencial. O mundo é habitado por homens e mulheres e, portanto, qualquer projeto de sociedade deve incluir ambos os lados. Mas não cabe aos homens protagonizar a luta feminista. Não cabe aos perpetradores da violência ditar os rumos de um movimento que pretende acabar com ela.
É um lembrete crucial em um mundo que parabeniza os homens por atos mínimos de decência, como respeitar a negativa de uma mulher em fazer sexo e não assediar mulheres na rua. Um mundo em que bastam pequenos gestos para um homem virar o símbolo da desconstrução e do exemplo a ser seguido. Um mundo que premia o cantor Bono Vox como uma das Mulheres do Ano. Um mundo em que dá mais visibilidade para homens do que para mulheres até quando se trata de combater um sistema que as oprime.
Por isso é tão difícil unir homens e feminismo na mesma frase. Mas não é impossível. O documentário da ONU deixa isso muito claro. E você, homem, tem muito a aprender com ele.