Gaúcho veio ao Rio participar de debate na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage sobre performatividade de gênero
“Nasci em Cachoeira do Sul (RS), em 1979. Sou formado em Teoria Crítica da Arte na UFRGS. Trabalhei com fotografia, escultura, cinema e direção de arte, mas meu foco é videoarte. E minha questão central é o corpo como performance. Então, também lido com dança e coreografia.”
(O Globo, 22/03/2017 – acesse em pdf)
Conte algo que não sei.
A expectativa de vida de uma travesti é de 30 anos, enquanto a média brasileira ultrapassa 70. O maior índice de homicídio de travestis e transexuais está, proporcionalmente, no Brasil. Ao mesmo tempo, temos o maior índice de busca por vídeos pornográficos envolvendo trans. Existem essas duas tendências: violência e desejo, o que faz sentido. Qualquer tipo de fobia é reflexo de algo reprimido.
Como você define performatividade de gênero?
Tem a ver com uma performance social sempre que você sai à rua. Eu, por exemplo, estou de camisa e bermuda. Estou performando ser um homem. É a maneira como você se apresenta. E não necessariamente tem a ver com orientação sexual ou identidade de gênero. Eu, por exemplo, sou um homem gay, branco e cisgênero, mas tenho a sorte de estar bem resolvido com minha identidade. Para muitas pessoas, não é uma coisa resoluta. Você pode ter barba e querer sair usando brinco e vestido, o que vai causar uma resposta diferente em cada contexto social.
A performatividade pode existir como fator puramente político?
Transexualidade é um tipo de apresentação na sociedade que faz com que você duvide do seu olho, o que não deveria acontecer. Se você vê uma travesti ou transexual, está vendo uma mulher. Por algum detalhe ou por algo que alguém lhe falou antes, você passa a duvidar se a pessoa é realmente uma mulher. Se as pessoas fossem mais visuais, e acreditassem no que vissem, teríamos menos problemas, menos ruídos e menos violência. A performatividade é uma necessidade. Mas, se você se expressa de alguma maneira, não deixa de ser manifestação política. Não há como desvincular uma coisa da outra.
Por outro lado, há casos em que uma transexual pode não estar interessada em levantar uma bandeira?
A transexual é uma pessoa que nasceu num corpo com o qual ela não se identifica. Às vezes, ela só quer outro corpo e tocar sua vida. Pessoas trans também podem ser discretas. É algo tão básico. Aliás, também há pessoas trans conservadoras, que votam em políticos conservadores.
Mesmo sendo “tão básico”, há muito preconceito…
A sociedade está mais preparada para aceitar uma pessoa gay, desde que ela tenha emancipação financeira. A sociedade é conservadora, mas se rende ao dinheiro. É mais difícil aceitar um gay negro e pobre. As pessoas acham que travesti gosta de se prostituir, que nasce com um desejo incessante de sexo e querendo cortar gente com navalha. Enquanto não educarmos as crianças sobre essa realidade, ainda haverá muito bullying.
E o que leva uma travesti à prostituição?
O estudo de gênero precisar ser colocado nas escolas. Se não, é simples o que acontece: uma criança trans vai sofrer um bullying muito pior do que o que nós sofremos. Talvez ela tenha que abandonar os estudos e até mesmo seja expulsa de casa. Se você não tem apoio da família, quem lhe dará emprego? Por isso, há tantas travestis se prostituindo. É falta de oportunidade.
Por que as pessoas têm tanto medo das diferenças?
Porque não querem perder seus privilégios.
POR FABIANO RISTOW