(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 21/08/2017) Em evento na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, no último dia 18, promotoras e procuradoras de justiça debateram caminhos para superar a desigualdade de gênero na carreira. As mulheres são 30% dos profissionais de carreira (um percentual já baixo frente aos 51% de presença da população feminina na sociedade paulista), mas a participação vai encolhendo nos níveis mais altos da profissão. Dos 291 cargos preenchidos atualmente de procuradores de justiça no Estado, apenas 65 (22%) são ocupados por mulheres. No Colégio de Procuradores, são nove mulheres entre os 20 integrantes eleitos e apenas uma ocupante dos 21 cargos natos do colegiado.
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A promotora Maria Gabriela Prado Manssur lembrou que apenas em 2014 foi criada a diretoria de mulheres da Associação Paulista da carreira e que nacionalmente somam apenas 10% as mulheres que estão em cargos de poder e decisão nas estruturas diretivas do Ministério Público. A partir de uma avaliação dos sites e publicações da instituição, ressaltou que “praticamente não aparecemos nos sites, revistas e publicações. É uma cultura que temos que debater para mudar essa realidade”. Gabriela Manssur também destacou que é necessário pensar “quanto tempo uma mulher demora para chegar à capital, a um cargo fixo, à Procuradoria”, e quanto essa demora compromete a sua carreira em função da maternidade, por exemplo, ou do deslocamento da família. Gabriela integra o Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar (Gevid) Leste 1 e é diretora de mulheres da Associação Paulista do Ministério Público.
Recentemente o jornal “O Estado de S.Paulo” publicou reportagem destacando que em apenas três estados brasileiros o Ministério Público é comandado por mulheres.
A procuradora de justiça Aparecida Valadares reforçou que é “uma necessidade debater a participação das mulheres em nossa instituição”. E lembrou que quando exercia a promotoria do júri, ainda na década de 1980, uma delegada de polícia chamada Benedita falou a ela sobre a importância de propagar as ações afirmativas em relação às mulheres nas carreiras jurídicas. “Lembro que na época, na minha pouca experiência institucional, com dois ou três anos de carreira, olhei para ela e uma pergunta não calava: ‘por que uma mulher negra delegada de polícia, que transpôs todos os obstáculos possíveis e imagináveis, decidira criar uma associação em que se discutisse a posição das mulheres na carreira jurídica?’. Mas aí pensei que eu mesma passei num concurso, em 1985, em que foram aprovadas umas 30 mulheres, e isso virou um ‘absurdo’. Diziam ‘elas acabarão com o Ministério Público’. E hoje, 2017, nos deparamos com questões idênticas”.
“Não estamos em busca apenas de representatividade de gênero, mas da igualdade”, ressaltou a procuradora de justiça criminal Valderez Deusdedit Abbud. A procuradora destacou ainda que é preciso “criar mecanismos para que as mulheres rompam com medo” de disputar os espaços de poder na carreira, porque as dificuldades são enormes, os mecanismos de contenção ainda são muitos, mas precisam ser superados.
“A lógica perversa da desigualdade de gênero tão naturalizada é exatamente esta: agir no subconsciente. Não nos damos conta do prejuízo que ela causa, do seu custo econômico e social. Esse debate quase nunca é fácil, incomoda, porque coloca a reflexão profunda sobre como ainda hoje mulheres que detêm alguma parcela de poder podem ser depreciadas, julgadas pela sua aparência, comportamento social ou sexual, interrompidas, ridicularizadas, desvalorizadas e até silenciadas. Esse é o grande problema da desigualdade de gênero: prescrever onde podemos chegar, nos limitando, ao invés de reconhecer como somos e para onde queremos caminhar”, destacou a promotora e coordenadora do Gevid, Silvia Chakian.
Professora na PUC-SP, procuradora de justiça aposentada e atual secretária municipal de direitos humanos e cidadania na capital, Eloísa Arruda, falou sobre sua experiência ao disputar o cargo de procuradora geral do Estado. “Foi dito até que não dava para confiar em uma mulher que ‘largava os filhos’ para trabalhar em região de guerra. Minha maior dor é que isso foi dito por uma colega”. Eloísa esteve a trabalho no Timor-Leste por dois anos e como os filhos eram pequenos, ficaram no Brasil. “Eu nunca levantei a bandeira feminina, nunca falei que queria ser a Procuradora Geral para ser a primeira mulher. Nunca usei isso como bandeira”, disse.
A advogada Raquel Preto frisou que “rupturas culturais não se fazem sem medidas mais assertivas, certeiras e fora da curva. Mulheres e negros somos a maioria populacional e os dois grupos sub-representados institucionalmente”.
A igualdade de gênero como pilar democrático
Convidada ao evento, a procuradora de justiça do Mato Grosso do Sul Jaceguara Dantas da Silva Passos ressaltou que “esse é um tema de relevância para a mulher e sobretudo para a instituição do Ministério Público, que é uma instituição democrática e deve cada vez mais estar aberta a discussões como esta”.
Representando o Instituto Patrícia Galvão na mesa de abertura do evento, Jacira Melo ressaltou que “o Ministério Público é o guardião da democracia, uma instituição da maior importância. Refletir sobre o lugar de poder das operadoras de justiça nos permite pensar e debater inúmeras questões, em especial refletir sobre o alcance e o estágio da nossa democracia. Não estamos falando de um tema que tem a ver somente com esta Casa, mas de um projeto civilizatório. O lugar das mulheres nos espaços de poder e decisão é um tema central para a democracia brasileira”.
Jacira elencou uma série de questionamentos que a instituição precisa responder para avaliar quais são os principais entraves para que as mulheres progridam na carreira jurídica. Para a especialista em direitos das mulheres é importante avaliar aspectos como: se existe ou não equidade na aprovação de mulheres para ingresso na carreira; se há paridade de gênero nas bancas dos concursos e nos principais espaços de poder e decisão, ou ao menos uma meta para que a equidade nestes espaços seja alcançada; se existem mudanças de atitudes e comportamentos no relacionamento profissional; se as mulheres têm o mesmo espaço e são igualmente consultadas na tomada de decisões; se as candidaturas de mulheres aos espaços de poder no MP são recebidas sem objeção; qual o grau de machismo e intolerância à liderança de mulheres, e se existem questionamentos ao conhecimento e capacidade destas; se as mulheres em espaços de poder da instituição ainda são vistas como “emotivas” ou “autoritárias”.
“Esses dados são importantes como indicadores de sucesso, e para verificar se a exclusão, discriminação e inacessibilidade das mulheres aos espaços de poder do Ministério Público são coisas do passado ou se ainda há resquícios e mecanismos de discriminação e exclusão das promotoras”, frisou a diretora do Instituto Patrícia Galvão.