Punição a assédio sexual em transporte divide juízes em SP

02 de setembro, 2017

Homem que ejaculou em mulher em ônibus foi solto. Caso pode ser julgado como estupro ou atentado ao pudor

(O Globo, 02/09/2017 – acesse no site de origem)

A punição a quem comete abuso sexual dentro do transporte público divide juízes em São Paulo. Segundo levantamento feito pelo GLOBO em sentenças de segunda instância que analisam esse tipo de crime, quase metade dos magistrados entende que o acusado cometeu crime de estupro com violência, que prevê pena de prisão. Por outro lado, uma turma de juízes considera que a pessoa constrangeu a vítima e, por isso, não precisa ir para a cadeia. Nesse caso, apenas enquadrado na lei de contravenções penais, obrigando-a a pagamento de multas ou prestação de serviços comunitários para escapar da prisão.

Foi esse o entendimento do juiz José Eugênio do Amaral Souza Neto, que, na quarta-feira, soltou Diego Ferreira de Novais, de 27 anos, preso em flagrante no dia anterior por ejacular em uma mulher dentro de um ônibus na Avenida Paulista, região central da capital paulista.

Leia mais: Decisão de juiz sobre acusado de ejacular em jovem no ônibus é discutível (HuffPost Brasil, 02/09/2017)

O GLOBO analisou 13 decisões de segunda instância sobre casos semelhantes ao ocorrido na Avenida Paulista. O levantamento mostra que os juízes se dividem quando precisam enquadrar o crime no Código Penal.

Em seis dos processos analisados, os magistrados entenderam que houve constrangimento com atentado ao pudor, uma contravenção, que prevê punições mais leves, como serviço comunitário e multa. Em outras sete sentenças, os juízes interpretaram que os acusados cometeram uma violência, o crime de estupro, que prevê penas mais duras. Em 2009, a lei do estupro foi alterada e passou a abarcar “atos libidinosos”, com ou sem “conjunção carnal”, praticados contra mulheres ou homens.

A polêmica em torno de casos de abuso dentro do transporte público levou o presidente do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, a ir a público ontem para defender mudanças na lei para que se puna “com mais rigor atos dessa natureza”.

Segundo Mascaretti, os juízes ficam à mercê de leis que “beneficiam o autor do abuso”. Os princípios jurídicos muitas vezes são “conflitantes”, nas palavras do magistrado, mas cabe a quem está julgando conciliá-los.

Segundo a advogada Isabela Guimarães Del Monde, cofundadora da Rede Feminista de Juristas, não é equivocada a interpretação de alguns juízes de que o caso do homem que ejaculou em uma passageira dentro do ônibus é uma contravenção, e não estupro.

— No Direito Penal, violência e constrangimento têm definições muito claras. Isso não diz respeito ao constrangimento da vítima (prevista na lei de contravenções), ela obviamente foi violentada. Mas o juiz diz que ela não foi restrita, segurada, o cabelo não foi puxado para que o cara conseguisse ejacular nela, o que seria a violência (prevista no crime de estupro) — afirma.

Isabela defende que os acusados em crimes desse tipo sejam condenados a participar de cursos sobre “violência, masculinidade e machismo”.

CASO SEMELHANTE OCORREU NO RIO

O levantamento do GLOBO foi feito só com decisões de segunda instância porque o TJ de São Paulo não permite pesquisas por tipo de crime na primeira instância.

Em um caso de 2008, o TJ aumentou a pena de um homem que havia sido preso em flagrante no vagão do metrô com as vestes sujas de sêmen. A vítima do assédio, uma mulher, relatou que ele havia se posicionado atrás dela no local e se masturbado enquanto a apalpava. A situação foi confirmada por testemunhas. Ao avaliar o caso, o magistrado aumentou a pena para seis anos de prisão, enquadrando o crime como estupro.

Já em outra situação de assédio no metrô, um homem colocou as mãos por baixo das vestes da vítima. A mulher conseguiu fugir e foi auxiliada por um dos seguranças do metrô, que deteve o acusado. Ele foi condenado a oito anos e dois meses de prisão por estupro. No entanto, em segunda instância, foi decidido que ele teria a pena reduzida. Teve a acusação de estupro trocada por ofensiva ao pudor, e a sanção foi reduzida ao pagamento de multa.

Diego Ferreira de Novaes foi solto pela Justiça após ficar um dia preso por ter ejaculado no pescoço de uma passageira sentada em ônibus que circulava por São Paulo. Na decisão em que liberou o acusado, o juiz entendeu que Diego “não causou constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça”, embora ele tenha uma extensa ficha de crimes sexuais em seus registros policiais. O nome dele aparece em 16 ocorrências policiais desde dezembro de 2009.

Um caso parecido ocorreu na quinta-feira na estação Mato Alto do BRT do Rio, em Guaratiba, Zona Oeste da cidade. Um homem foi detido por assédio sexual depois de ejacular na perna de uma passageira. Com ajuda de seguranças do BRT, ele foi encaminhado para a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Campo Grande. Segundo a Polícia Civil, ele prestou depoimento, assinou termo circunstanciado e foi liberado. O acusado responderá por importunação ofensiva ao pudor.

Os casos recentes de assédio contra mulheres e a decisão de não manter preso Diego Novaes motivaram uma campanha na internet contra a violência contra mulheres. Atrizes como Thaís Fersoza e Rafa Brites foram algumas das que aderiram ao movimento, resumido na seguinte palava de ordem: “Nosso país trata como tabu amamentar em público, mas, quando ejaculam em uma mulher no ônibus, o juiz considera que ‘não houve constrangimento’”.

Juliana Arreguy e Tiago Dantas

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