Site oferece ajuda para mulheres grávidas que não desejam ter o filho sem esclarecer que o objetivo é impedi-las de abortar; domínio está registrado em nome de padre ligado ao Opus Dei e ao Centro de Ajuda à Mulher (CAM)
(A Pública, 22/01/2018 – acesse a íntegra no site de origem)
“Não posso ter um bebê!!!” Essa foi a mensagem de S., 27 anos, que iniciou a troca de mensagens com um site chamado “Gravidez Indesejada”, que acidentalmente foi parar na caixa de entrada de um jornalista da Pública por causa de um e-mail homônimo. Na resposta, que constava no mesmo e-mail, uma pessoa dizia que, para ajudar a moça, precisaria de seus dados pessoais e gestacionais. O nome do site, tão direto, e seu forte apelo chamaram atenção: o aborto é crime no Brasil, a não ser quando há risco de morte para a gestante, quando a gravidez resulta de estupro ou quando o feto é anencéfalo.
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Diagramada em tons de rosa, com fotografias de bancos de imagens, a página contém mensagens do tipo: “Não perca mais tempo, fazer sua própria escolha em uma situação difícil é um direito seu!”. E ainda: “Não corra riscos desnecessários: temos 20 anos de experiência em ajudar as mulheres com uma gravidez indesejada […]. Ajudamos a resolver rapidamente e de forma segura os seus problemas; queremos lembrá-la de que neste momento cada minuto conta muito”. Oferece tratamento personalizado e sigiloso, gratuito, responde a dúvidas sobre o uso de medicamentos abortivos, especialmente o Cytotec – veja aqui a checagem dessas afirmações feita pelo Truco junto a especialistas –, e diz pertencer a uma tal Associação Mulher: “Somos a Associação Mulher, entidade sem fins lucrativos, com sede em diversas cidades do Brasil e do exterior. Ajudamos mulheres com gravidez indesejada, oferecendo atendimento personalizado em um momento difícil que possam estar vivendo”. Não há no site um CNPJ vinculado ou mais informações sobre essa organização. No Google também não é possível encontrar nada mais a respeito dela ou do trabalho que realiza. Mas uma busca ao domínio do site revela o nome de um padre: Hélio Tadeu Luciano de Oliveira. E um e-mail: [email protected]. Com essas primeiras informações em mãos e farejando uma armadilha para as mulheres grávidas – já que não se dizia nada sobre o tipo de ajuda que seria oferecido –, começamos a investigação e marcamos atendimento presencial através do telefone fornecido pelo site. Por eu ter o nome facilmente relacionado às pautas de defesa dos direitos das mulheres, optamos por chamar outra repórter da Pública para a visita. Eu iria como sua acompanhante. Por telefone, após ter insistido em obter todos os seus dados, uma mulher marcou a data e pediu seu telefone para que apenas um dia antes da “consulta” passasse o endereço. A repórter deu seu nome verdadeiro durante as duas visitas que faríamos, e eu, como sua acompanhante, também.
O padre
Hélio Tadeu Luciano de Oliveira é um padre militante pró-vida que, segundo o site do Convívio Emaús (“convívio” é o nome dado a uma atividade de formação organizada pelo Opus Dei que abrange um leque variado de formatos e finalidades), se formou em odontologia e teve sua vocação despertada ainda na faculdade. Fez parte do Movimento Jovens de Emaús em Florianópolis (SC) e, em 2004, foi estudar filosofia e teologia na Espanha, com bolsa integral, no Seminário Internacional de Bidasoa e na Universidade de Navarra, ambos confiados à prelazia do Opus Dei. Logo recebeu a sua ordenação diaconal na Paróquia San Nicolás, em Pamplona, Espanha, e depois retornou à Europa para continuar o doutorado em bioética em Roma. Em sua página pública no Facebook, é possível achar posts contra a “ideologia de gênero”, dezenas de mensagens e imagens contra o aborto (inclusive em casos de estupro) e até fotos de um dia de produção – feita por jovens de uma paróquia de Florianópolis – de fetos de borracha (frequentemente utilizados em manifestações pró-vida ou arremessados contra manifestantes pró-descriminalização do aborto). Também segundo essa entrevista de 2013, ele foi da arquidiocese de Florianópolis e, a pedido do então arcebispo da região, dom Murilo Krieger, empenhou-se nos estudos sobre bioética. É difícil dizer mais sobre o padre Hélio porque, após insistentes pedidos de entrevista por e-mail sem resposta e uma ligação à Arquidiocese de Florianópolis solicitando outro contato, fui informada por um funcionário de que esse era um projeto sigiloso e por isso ele ou outra pessoa da Igreja não falariam a respeito. Na página do Facebook, é possível constatar também seu envolvimento com a Associação Mulher, pois diversos de seus posts e vídeos pedem doações em dinheiro para ajudar a salvar “milhões de crianças do aborto, a sociedade, as mulheres”. Sua ligação com o CAM (aquele cujo e-mail constava no domínio do site do qual falaremos adiante) também aparece em sua página em posts como: “Hoje celebramos a São Josemaría Escrivá de Balaguer, o Fundador do Opus Dei. Recebi hoje muitas graças especiais e estou convencido de que foi pela intercessão desse santo sacerdote. Dentre essas graças está a reabertura do CAM Florianópolis e o crescimento na missão e no amor – quase palpável – de algumas pessoas amigas que confiam cada vez mais em Deus. São Josemaría – rogai por nós!”. Esse site mostra-o ainda como sacerdote da Rede Latino-Americana de CAMs e diz que ele esteve nos últimos encontros representando o Brasil.