Nossa colunista fala sobre a luta por melhores condições de vida após o assassinato da vereadora
(Marie Claire, 15/03/2018 – acesse no site de origem)
A pergunta não era de uma vidente: “quantos mais vão precisar morrer antes que essa guerra acabe?”. Marielle Franco foi uma das vereadoras mais votadas no Rio de Janeiro. Saiu da favela da Maré para ali se fincar falando das mulheres e do racismo. Insistia que a igualdade dependia da vida na cidade. Morreu de maneira covarde, um apagamento típico de países em conflito armado: seu carro foi metralhado, e com ela morreu o motorista Anderson Pedro Gomes. A pergunta não falava dela, mas dos centenas de anônimos que vivem em risco pela presença de militares e traficantes pelas ruas das favelas ocupadas no Rio de Janeiro.
Queria acreditar que há um antes e um depois de Marielle. Se for verdade, já iniciamos o depois. Marielle foi morta por ser alguém estridente sobre o equívoco da ação militar nas favelas do Rio de Janeiro. Foi morta por ser uma mulher negra vinda e vivida na favela, com voz e dedo em riste para as elites da Zona Sul. Se vivemos o depois de Marielle, algo importante não se foi com a brutalidade de sua morte: as exigências de Marielle para uma sociedade justa são também as nossas. Estudo agora tudo que Marielle deixou de legado: seu vídeo de campanha, suas aulas e conversas, o que ficou escrito.
Como ela, nós também queremos creche nas favelas e fora dela. Queremos segurança para que as mulheres possam ir e vir pela cidade, seja para escola ou para o trabalho. Queremos que mulheres negras estudem mais, trabalhem menos, não morram. Queremos a cidade imaginada por Marielle – uma cidade para todos e não só para os que frequentam os shoppings elegantes ou vivem protegidos em condomínios de luxo.
Não teremos Marielle de volta, por isso nosso luto será o dia seguinte de sua morte. Vivemos o depois da crueldade, da covardia dos que acreditam que tomarão a democracia com uso do medo e da força. Se já não tínhamos medo, por Marielle, agora teremos uma multidão em resistência.
Débora Diniz é antropóloga, professora da UNB e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética. Em 2017, ganhou o prêmio Jabuti pelo livro “Zika: Do Sertão Nordestino à Ameaça Global”. Como documentarista, seus filmes já ganharam mais de 50 prêmios. Sua área de interesse são os direitos das mulheres.