A estudante de 36 anos diz ter demorado mais de uma década para denunciar ex-marido
(O Globo, 14/05/2018 – acesse no site de origem)
No domingo, a estudante de Direito Michella Marys afirmou ter tido o melhor Dia das Mães de sua vida: ao lado da filha, de 17 anos, e dos dois filhos, de 12 e 8, e longe das agressões e dos xingamentos do ex-marido, Roberto Caldas, de 55. Os filhos do casal vivem com a mãe, e o pai manda o motorista buscá-los quando quer vê-los. Denunciado por Michella por tê-la espancado e ameaçado de morte e ter assediado funcionárias do casal, ao longo dos 13 anos e meio em que ficaram juntos, ele pediu afastamento do cargo após as revelações feitas pela ex-mulher à “Veja”. No domingo, Michella recebeu O GLOBO em sua casa. Entre lágrimas, reconstituiu os anos de sofrimento que viveu.
Leia mais:
“Tentou me agarrar à força”, diz outra babá sobre juiz Roberto Caldas (Metrópoles, 14/05/2018)
Brasileiro juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos é acusado de agressão e assédio (O Globo, 12/05/2018)
“Vou pegar uma faca e vou te matar”, disse Roberto Caldas, segundo ex-mulher (O Estado de S. Paulo, 12/05/2018)
Quando foi agredida pela primeira vez?
Conheci o Roberto na praia, em 2004. Ele era um príncipe encantado, mandava flores, presentes, coisa que os homens de Aracaju, onde eu morava, não faziam. Ele fazia declarações, lia poesias, me ligava 30 vezes por dia. Nos apaixonamos e, depois de alguns meses de namoro, ele me pediu para morar com ele em Boston. Lá, meu pesadelo começou. Estava longe da minha família, dependente emocional e financeiramente dele, e logo engravidei do nosso primeiro filho. A primeira agressão foi por causa de um jantar com comidas nordestinas, em 2007. Era uma rabada, buchada, algo assim, e quando me viu comendo, quebrou o prato e disse que a pobreza não saía de mim. Fomos para o quarto e lá puxou meus cabelos, me chamou de vagabunda. Todas as nossas brigas eram por motivos fúteis.
Com que frequência isso ocorria?
Agressões verbais e injúrias eram diárias. Físicas, como me bater com o controle remoto na cabeça, empurrão, tapa e cascudo, eram semanais. Fui espancada umas seis vezes, numa delas, grávida do nosso segundo filho. Ele puxou meu cabelo, me empurrou de uma escada de três degraus e deu chutes na minha barriga. Passei vários dias com dores. Quando fiz o exame estava com um hematoma no útero. Passei a gravidez na cadeira de rodas.
Por que levou tantos anos para denunciar?
Eu estava ao lado de uma pessoa que tinha um nome muito forte não só no Brasil mas no exterior, com muita influência jurídica, econômica e política. Quem iria acreditar em mim? Toda vez que o Roberto me batia ele dizia: “Vamos para a delegacia para você prestar queixa. Quero ver se vão acreditar em você”. Ele dizia que era juiz. Dizia que ia tomar os meus filhos.
Ele batia na frente de amigos?
Não. Era tudo muito velado. Ele só me batia no banheiro ou no closet. Com o tempo, foi estendendo as agressões verbais para a frente dos meus filhos e funcionários. Alguns ouviam a gritaria e me viam roxa no dia seguinte.
Os seus filhos assistiam a tudo?
Viram muita coisa. Tem um áudio do caçula que, depois de uma confusão, me mandou jogar o pai na máquina de salsicha. Tinha 3 aninhos na época. Isso é muito forte para uma criança. Meu filho já viu ele me dando um tapa.
Era só dentro de casa?
Um porteiro que trabalhou aqui me procurou e contou que lembrava de uma vez que me viu sendo agredida. Um dia eu estava arrumada para ir a uma cerimônia, comi um pão francês com manteiga e ele ficou furioso. Me proibiu de ir porque queria que eu fizesse regime. Ele me puxou de dentro do carro. Caí em cima de uma pedra. Não percebi que o porteiro tinha visto.
Ele chegou a violentar a senhora?
Várias vezes acordei no meio da noite com ele me penetrando. Às vezes, eu tomava remédio forte para dormir e tinha sono pesado. Achava isso uma violência, mas não sabia que era estupro. Chegou um momento em que eu não conseguia mais dormir à noite.
Ele demonstrava arrependimento?
Não. Eu que pedia desculpa. Porque ele sempre dizia que era eu que despertava conduta agressiva nele. Eu acreditava.
Como foi seu Dia das Mães?
Como estou vivendo esse turbilhão, não passei o dia que eu gostaria com os meus filhos. Mas tenho certeza que foi o melhor Dia das Mães que já tive, porque estou me sentindo liberta. Vi o advogado dele falando ontem no “Jornal Nacional” e achei um insulto a todas nós mulheres quando diz que ele já assumiu as injúrias verbais, como se isso fosse pouco.
É difícil falar das agressões?
Está sendo um resgate de alma para mim. Estou representando milhares de mães que todos os dias são agredidas, violentadas e até mortas no Brasil.
As crianças sabem o que está acontecendo?
Isso também é um presente de Dia das Mães pra mim. O meu filho de 12 anos viu a movimentação de repórteres aqui e me perguntou o que era. Falei que era um assunto meu, mas chegou um momento em que ele escutou que ia sair na mídia. Fiquei com medo de achar ruim, mas ele disse: “Tomara que saia”. Minha filha de 17 está sentindo mais do que ele porque ela gostava muito do Roberto. Sempre foi um padrasto maravilhoso.
Assistia às palestras dele sobre direitos das mulheres?
Eu ia a palestras com ele no mundo inteiro. Admirava muito aquele profissional. Por dentro, eu pensava: “Ai, meu Deus, ele podia ser tão assim comigo”.
Bela Megale