No país, quatro mulheres morrem por dia por abortos precários? Checamos o que disse Boulos em lançamento de candidatura

24 de julho, 2018

O líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, foi lançado no último sábado candidato à Presidência pelo PSOL em São Paulo. Em um discurso a simpatizantes, fez críticas ao MDB e ao centrão, ressaltou a violência contra jovens negros e afirmou que quatros mulheres morrem por dia por abortos precários no país. Checamos o que disse o candidato.

(O Globo, 24/07/2018 – acesse no site de origem)

“A ação que vai ser julgada no Supremo daqui a alguns dias (sobre legalização do aborto) é de autoria do Partido Socialismo e Liberdade com muito orgulho”.

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O PSOL é mesmo autor da ADPF 442, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A ação não será julgada nos próximos dias, mas foi marcada uma audiência pública pela relatora, ministra Rosa Weber, para que o assunto seja discutido. A audiência está programada para ser realizada entre os dias 3 e 6 de agosto com a participação de mais de 40 especialistas. Ainda não há uma data marcada para o julgamento.

A ADPF questiona os artigos 124 e 125 do Código Penal, que criminalizam a prática do aborto. O partido autor da ação pede que se exclua do âmbito de incidência dos dois artigos a interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação, alegando a violação de diversos princípios fundamentais.

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“As mulheres estão morrendo, sobretudo as mulheres mais pobres e negras. São quatro que morrem por dia por abortos precários”.

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Procurada pela equipe de checagem do GLOBO, a assessoria de Boulos informou que a afirmação foi baseada em reportagem do jornal “O Estado de S.Paulo” publicada em dezembro de 2016, com a informação de que em 2015 houve 1.664 mortes de pacientes nos hospitais por complicações do aborto, o que daria uma média de 4 por dia, sem distinção de raça ou classe social. No mesmo texto, porém, há a ressalva do Ministério da Saúde de que não é possível afirmar que todos esses óbitos tenham sido consequência do procedimento provocado, feito na maioria das vezes de forma clandestina.

Em relação ao risco maior de morte por aborto inseguro entre mulheres negras e pobres, a equipe de Boulos indicou que a fonte da informação é um estudo do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, feito em parceria com o Ipas Brasil e com apoio técnico do Ministério da Saúde. O documento não está mais disponível nos sites oficiais atualmente, mas localizamos a publicação utilizando a ferramenta Web Archive. O estudo denominado “Magnitude do aborto no Brasil: aspectos epidemiológicos e sócio-culturais”, produzido por Leila Adesse e Mário Monteiro em 2007 , aponta que “a população de mulheres negras está submetida a um risco de mortalidade em consequência de abortamento inseguro três vezes maior que as mulheres brancas, podendo-se associar esta desigualdade a condições socioeconômicas desfavoráveis”. Monteiro fez uma afirmação parecida ao GLOBO em entrevista de 2014.

O Ministério da Saúde informou que não tem dados oficiais sobre mortes em decorrência de aborto ilegal no país. Em uma entrevista em maio de 2016 ao jornal “O Estado de S.Paulo”, o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que recebeu a informação de que por ano no país 11 mil mulheres morrem em decorrência de aborto sem citar a fonte.  O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) registrou 770 mortes por aborto entre 2006 e 2015. Já um estudo publicado no final do ano passado produzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em parceria com o Instituto Guttmacher estima que por ano sejam realizados 25 milhões de abortos inseguros. A maioria (97%) desses imerecimentos ocorre em países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, mas não há dados específicos para o Brasil.

A assessoria do PSOL informou que “observa as contradições de números como uma demonstração da necessidade de se regulamentar a questão”. A nota informa ainda que o partido “sempre defendeu o direito ao aborto e que espera que as audiências públicas, marcadas para o início de agosto, possam finalmente ajudar o país a avançar na garantia dos direitos das mulheres”.

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“Essa campanha vai ser aquela também que não vai recuar um minuto para dizer que existe um genocídio da juventude negra nas periferias deste país”.

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Em 2016, o Brasil registrou 62.517 homicídios, de acordo com o Atlas da Violência de 2018, do Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o equivalente a uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes. Desse total, 33.590 foram jovens entre 15 a 29 anos, 94,6% deles do sexo masculino, o que equivale a uma taxa de 65,5 mortes para cada 100 mil habitantes. Quando considerados apenas os homens jovens, a taxa de homicídios chega a 122,6 para cada 100 mil habitantes no país.

Os dados mostram ainda que a taxa de homicídios de negros em 2016 foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra 40,2%). Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros apresentou redução de 6,8%.

“(Bolsonaro) defendeu a legalização da milícia”

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Em ao menos duas ocasiões em 2008 o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) já relativizou a atuação ou defendeu a legalização das milícias, só que recentemente, ao GLOBO, ele se mostrou desinteressado no assunto. Em uma entrevista à BBC News em março de 2008 o presidenciável disse: “Eles [milicianos] oferecem segurança e, dessa forma, podem manter a ordem e a disciplina em suas comunidades”, e completou: “O governo deveria apoiá-los, já que não tem a capacidade de combater os traficantes – e talvez no futuro deveria legalizá-los”.

Em 17 de dezembro de 2008, Bolsonaro se pronunciou na tribuna da câmara dos Deputados, em resposta ao deputado Chico Alencar (PSOL), que havia elogiado a atuação do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) na CPI das Milícias, no Rio: “O meu Estado, lamentavelmente, é diferente dos demais. Para pior. Nenhum deputado estadual faz campanha para buscar, realmente, diminuir o poder de fogo dos traficantes, diminuir a venda de drogas no nosso Estado. Não. Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com ‘gatonet’, com venda de gás. Como ele ganha 850 reais por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de ‘gatonet’, venda de gás ou transporte alternativo”, disse Bolsonaro.

Em julho deste ano, entretanto, Bolsonaro foi procurado pelo GLOBO para falar sobre o mesmo assunto e se mostrou desinteressado a respeito de uma possível legalização das milícias: “Hoje em dia ninguém apoia milícia mais não. Mas não me interessa mais discutir isso”, disse ele ao GLOBO, em reportagem veiculada no dia 8 de julho.

Marlen Couto e Luís Guilherme Julião

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