Exposição e compartilhamento de fotos íntimas tem consequências graves entre as vítimas, que vão desde submissão à ameaças até suicídios
(R7, 06/09/2018 – acesse no site de origem)
“Comecei a morrer. Me sentia queimada viva. Virei motivo de chacota na cidade toda. As pessoas achavam que eu estava me vendendo.” O depoimento é de Rose Leonel, 48 anos, vítima de divulgação de conteúdo íntimo na internet. Há 12 anos, ao terminar um relacionamento, ela passou a ser ameaçada pelo então companheiro.
Entre outros delitos contra a mulher, o crime de exposição de conteúdo sexual na internet ainda é completamente subnotificado. Apesar disso, a ONG SaferNet, que funciona como uma rede de apoio às vítimas, recebeu 298 denúncias de exposição de conteúdo íntimo on-line. Do total, 204 são casos envolvendo mulheres. Isso significa dizer que 70% dos casos têm mulheres como vítimas.
Nos outros 85 casos envolvendo o gênero masculino, o psicólogo e diretor de educação da Safernet, Rodrigo Nejm, esclarece que são casos envolvendo divulgação de conteúdo sexual de homossexuais. Os dados foram compilado no recém-lançado Dossiê Violência Contra a Mulher em Dados, do Instituto Patrícia Galvão.
De acordo com o dossiê, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), divulgada em fevereiro de 2018 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2016 o Brasil tinha 116 milhões de pessoas conectadas à internet, o que equivale a 64,7% da população com idade acima de 10 anos.
Nesse cenário de inclusão digital, a violência de gênero se estendeu e se potencializou nas plataformas online de forma sem precedentes. Não apenas o sexting, mas outras violações contra as mulheres também passaram a ganhar força. Para se ter ideia, em 2017, o assédio foi o 26º assunto mais comentado da internet. Segundo dados do dossiê, nos últimos três anos, as menções ao termo cresceram 324%, com destaque para o assédio virtual, que registrou crescimento de 26 mil %.
Sextorção
O ciclo de violência que se instaura sobre a vítima é conhecido como sextorsão ou a ameaça de se divulgar imagens íntimas para forçar alguém a fazer algo por vingança, humilhação ou extorsão financeira. “É uma forma de violência grave, que pode levar a consequências extremas como o suicídio”, afirma Nejm.
Os casos podem ocorrer quando alguém finge ter posse de conteúdos íntimos como forma de iniciar ameaças ou ainda pode ser um blefe com o objetivo de obter vantagem. “Não se tem o entendimento de que meninas e mulheres têm plena liberdade sexual e ninguém tem o direito de expor isso.”
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“Ele ameaçou destruir a minha vida e foi isso que ele fez. Me aniquilou”, diz Rose que teve fotos íntimas vazadas pela internet. Segundo ela, o ex-marido fez montagens com conteúdo pornográfico e distribuiu por toda a cidade de Maringá, no Paraná. “Ele mandou 15 mil emails com fotos minhas, distribuiu CDs em condomínios e folhetos em comércios da cidade.”
Desligada do emprego, ela lembra que chegou a receber um e-mail do chefe dizendo que a empresa não queria uma funcionária como ela naquele ambiente profissional. “Perdi meu trabalho, meu amigos e a minha vida”, afirma. Rose conta que o filho foi embora do País e a filha sofria bullying por parte de alunos e professores. “A sua identidade é completamente roubada, ocorre a perda total do seu eu.”
Como denunciar
O compartilhamento de imagens íntimas na internet é crime. No entanto, segundo o psicólogo, como no Brasil há uma violência explícita contra a liberdade sexual de meninas e mulheres há uma visão misógina por trás da disseminação desse tipo de conteúdo. “Além disso, existe uma ideia de que o corpo da mulher é propriedade pública junto a ausência de educação sexual”, diz ele.
Um dos fatores que agrava a subnotificação é o desconhecimento sobre como denunciar esse tipo de crime. Uma pessoa que compartilha um conteúdo íntimo na internet, um nude vazado, por exemplo, pode responder por três atos infracionais diferentes: produção, posse e distribuição de pornografia.
Além de procurar a delegacia para fazer o boletim de ocorrência, a vítima pode também pedir a remoção do conteúdo divulgado sem consentimento. De acordo com o artigo 21 do Marco Civil da Internet, nesse tipo de crime, a vítima pode pedir às empresas de redes sociais para retirar o conteúdo das páginas. No caso do Whatsapp, o procedimento é um pouco diferente. Como não se trata de um site, a vítima precisa “exportar” a conversa com o conteúdo sexual para um e-mail e encaminhar na delegacia de polícia. “Isso é a materialidade da prova”, diz Nejm.
Para o especialista, para modificar esse cenário, é preciso trabalhar também a conscientização, sobretudo, entre jovens. “Essa forma de violência sexual vem sendo banalizada na adolescência”, afirma ele. “É preciso sensibilizar esse jovem e reafirmar que a culpa é de quem vaza, de quem expõe. Nada dá o direito de uma pessoa espalhar algo que não é seu. Repassar esse tipo de conteúdo é um ato de violência. Como não se vê o sofrimento do outro, as pessoas não consideram uma forma de violência.”
Reconstrução
Desde 2013, porém conseguiu reconstruir sua vida gradualmente. Com a condenação do marido, Rose se sentiu estimulada a ajudar outras mulheres vítimas de divulgação de conteúdo íntimo pela internet. “A cada clique me sentia violada novamente.”
“Com a divulgação dessas fotos, sofremos uma morte civil. Dessa etapa até a pessoa sentir vontade de tirar a própria vida é apenas um passo.” Ela conta que teve de sair de Maringá para encontrar apoio psicológico e jurídico. Hoje, por meio da ONG Marias da Internet ela oferece esse tipo de apoio a outras mulheres.
Quando foi lançada, a ONG recebia entre duas e cinco denúncias por mês. Hoje, recebe de dez a 15 denúncias. “A mulher é sempre culpabilizada, queria e precisava tentar interromper esse ciclo”, afirma.
Por Fabíola Peres/R7