Admiradores, amigos e parceiros revelam a mulher que pretende reinventar a cidade de São Paulo, usando criatividade, diálogo e inclusão
(Jornalistas Livres, 08/07/2019 – acesse no site de origem)
Quem desconfia de Carmen Silva Ferreira – baiana, 59 anos, mãe de 8 filhos, retirante que dormiu nas ruas de São Paulo no início dos anos 1990 e tornou-se líder do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC) – pode entender melhor esta mulher ouvindo personalidades importantes que a viram transitando no Congresso Nacional, em gabinetes de juízes, prefeitos e governadores, falando em audiências públicas, universidades, unidades do Sesc…
Ela é conhecida por levar reivindicações e apresentar soluções criativas em todos os lugares onde são tomadas decisões que afetam o povo sem endereço e sem visibilidade. Para além da injusta e desnecessária decretação de sua prisão, em 24 de junho, sob acusações de extorsão e envolvimento com bando criminoso, Carmen, como explicam os entrevistados desta reportagem, é uma brasileira rara e imprescindível para a sociedade. Já ganhou inúmeros prêmios, entre eles o da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas (pela petulância em devolver vida a prédios abandonados no coração da capital paulista); o de melhor atriz, por Era O Hotel Cambridge, dirigido por Eliane Caffé, que conta a história da ocupação do hotel dos anos 1950, o Prêmio APCA e mais outros nos festivais do Rio de Janeiro, San Sebastián e Rotterdam.
Mas o melhor de Carmen, dizem os 16 especialistas ouvidos pelos Jornalistas Livres, está na audaciosa metodologia que desenvolveu para reduzir o déficit habitacional da cidade e gerir ocupações. Uma delas, a Ocupação 9 de Julho, serve também de palco para o exercício da cidadania e a discussão da democracia – considerando que democracia só pode existir a partir de uma cidade oxigenada e em equilíbrio, pois é nela que as pessoas pulsam, se expressam e se organizam.
Carmen sabe que há muito a fazer até zerar a demanda de quase 1 milhão de cidadãos em busca de 358 mil lares na capital. A conta poderia fechar mais rapidamente se no centro expandido, por exemplo, fossem aproveitados os 700 imóveis privados que se deterioram e devem IPTU há décadas, e as centenas de prédios da União, do Estado e do Município igualmente imundos, sob risco de ruir e descumprindo a “função social da propriedade”, conforme exigência da própria Constituição Brasileira. A baiana já tirou quase 3 mil pessoas de moradias subnormais e dos baixos de viadutos, promovendo ao mesmo tempo inclusão social, bem-estar, acesso à saúde, cultura, escola… São ações que, ao final, têm impactado positivamente o cotidiano da cidade inteira.
Mas seus atos também incomodam. Ao prenderem de forma ilegal dois filhos de Carmen (a cantora e produtora cultural Preta Ferreira e o educador Sidney Ferreira, que tiveram o pedido de Habeas Corpus negado e seguem presos há 13 dias), o que queriam, na verdade, era atingir a líder. Perseguida no inquérito policial que repete denúncias infundadas, das quais foi inocentada no ano passado, ela não está sozinha. Neste grave momento, 16 pessoas de destaque na sociedade, com quem Carmen construiu relações de respeito e fraternidade, falam também do seu caráter e do seu empenho pessoal.
Por Patrícia Zaidan e Martha Raquel, especial para os Jornalistas Livres
Leia também: Carmen, mãe de preta, líderes de sem-teto: por que nos querem presas (Jornalistas Livres, 04/07/2019)