Na última terça-feira (17/9), o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei 2.438/19, que insere três parágrafos no 9º artigo da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). Agora a legislação prevê que o agressor seja obrigado a ressarcir os custos dos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde a vítimas de violência doméstica.
(ConJur, 21/09/2019 – acesse no site de origem)
A medida entrará em vigor em 45 dias e, na opinião do professor de Direito Penal da Faculdade Damásio de Jesus, Luis Mileo, é um exemplo de como a Lei Maria da Penha é próspera em aumentar o aparato legal de medidas protetivas para as mulheres.
“Desde que foi criada lá em 2016, a Lei Maria da Penha tem rendido frutos como a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015). Já existe a discussão sobre a possibilidade de o delegado de polícia retirar do lar o agressor caso exista algum risco a integridade física da vítima. Em que pese a discussão jurídica disso é inegável que a Lei Maria da Penha dá frutos”, diz.
Mileo acredita que a nova medida é importante para explicitar alguns aspectos da Lei Maria da Penha. “Já existia na própria lei a possibilidade de o agressor ter que fazer um deposito judicial para que esse dinheiro custeasse eventuais danos de violência doméstica. O novo texto veio para reforçar isso”, explica.
A nova legislação prevê o ressarcimento do custo de tratamentos físicos e psicológicos pelo SUS e os valores gastos naqueles dispositivos de segurança colocados a disposição das mulheres e por elas utilizados para buscar socorro mais rápido diante de uma agressão iminente.
Para a advogada e doutora em Direitos Humanos pela USP Maíra Zapater, essa alteração da Lei Maria da Penha não inova em relação a dispositivos já existentes no nosso ordenamento jurídico. “O Código Civil e o Código Penal combinados já obrigam qualquer pessoa que cometa um crime e produza um dano a indenizar quem quer tenha sido prejudicado. O artigo 187 do Código Civil e o 92 do Código Penal permitem que se o SUS possa entrar com uma ação com pedido de indenização. O mesmo entendimento também vale para qualquer plano de saúde que se sentir prejudicado”, explica.
O entendimento de Maíra Zapater é compartilhado, em parte, pela advogada Marcela Fleming Ortiz, que enxerga possibilidade de ressarcimento para planos de saúde com algumas ressalvas. “Seria também uma questão de análise de cada caso. Querendo ou não, as pessoas já pagam o plano de saúde independente de qualquer coisa. Claro que ninguém espera sofrer violência doméstica, mas caberia ao juiz analisar”, argumenta.
Desdobramentos sociais
Apesar de acreditar que o novo dispositivo é razoável, Marcela acredita que uma reflexão precisa ser feita. “Como mulher e advogada, a minha percepção é que essa nova legislação nada mais é que o punitivismo mais uma vez em ação. A gente sabe que o punitivismo não é caminho para coibir ou solucionar a violência contra a mulher. O único jeito de combater a violência de gênero é com políticas públicas e educação para mudar o machismo estrutural. Só estamos inserindo uma nova normativa no sistema que já está abastado de normativas. Sabemos que quanto menos evoluído um Estado é, mais dispositivos ele possui. É o que vemos no Brasil”, diz.
De acordo com a promotora de Justiça de São Paulo Fabiola Sucasas, a própria finalidade do novo dispositivo deve ser discutida. “Aparentemente essa lei se mostra como uma iniciativa em prol da mulher, mas ela está voltada ao sistema que está sendo demandado justamente pela má gestão dos recursos públicos destinados a proteger e reprimir a violência contra a mulher. Existe a necessidade que esses recursos sejam pagos até para prevenir a violência. Me parece que a iniciativa é paliativa e não é voltada efetivamente a quem mais precisa, que é a mulher”, explica.
Outro questionamento sobre a nova legislação é se a obrigação de ressarcimento ao SUS não poderia inibir denuncias de vítimas de violência doméstica. Maíra Zapater lembra que o fator econômico já pesa bastante na decisão de denunciar ou não a violência doméstica.
“Em casos de mulheres serem financeiramente dependentes de seus companheiros, isso já pode acontecer. E também não está restrito apenas aos grupos familiares mais pobres. Isso também acontece em famílias de classe social mais elevada. Existe esse desestimulo, existe pelo temor da mulher de perder sua fonte de subsistência ou a de seus filhos. Colocando mais essa obrigação de ressarcir o SUS pode desestimular, mas podemos esperar na prática ver se isso vai acontecer”, diz.
Já a promotora Fabiola Sucasas não acredita que o dispositivo possa inibir a denúncias de violência doméstica. “O que inibe mais a vítima está muito mais em colocar o homem no banco dos réus do que esse gasto que ele vai ter em ressarcir o SUS”, explica.
Ela também destaca que é fundamental discutir a amplitude da Lei Maria da Penha e do seu grau de proteção. “Se tivéssemos um executivo que efetivamente lançasse mão de tudo aquilo que a lei propõe, poderíamos comemorar os 13 anos da Lei Maria da Penha com muito mais alegria.”
Por Rafa Santos