Sinônimo de aconchego e proteção, o lar também é um lugar perigoso para as mulheres: 39% dos homicídios delas acontecem dentro de casa
(AzMina, 14/01/2020 – acesse no site de origem)
Foram duas décadas até que Dora*, 48 anos, conseguisse ficar forte o bastante para deixar a casa onde quase foi vítima de feminicídio. Moradora de uma comunidade rural no interior de Pernambuco, ela se casou jovem, aos 18, com um dos homens mais bonitos do lugar. A família não aprovava o enlace, mas Dora achou que estaria amparada por aquele rapaz, sete anos mais velho, e viu nele a oportunidade de fugir das agressões que sofria desde a infância, pelas mãos do pai.
O encanto acabou algumas semanas depois, quando ouviu do marido que ele não a amava: havia se casado apenas por conveniência, pois Dora era virgem e prendada. A moça, então, passou a viver um suplício quase diário. “Ele saía para beber, ficava o fim de semana todo fora. Quando voltava, me acusava de ter outros homens e me espancava. Por muitas vezes, colocou uma faca no meu pescoço”, conta.
Não satisfeito, depois de agredi-la, o marido a amarrava na cama para estuprá-la. Foi assim que Dora engravidou da primeira filha. “Quando eu estava com sete meses, já dormindo do lado de fora, com medo, ele sacudiu a rede com força e eu caí de barriga no chão. Achei que perderia o bebê”, lembra, com a voz embargada. A menina nasceu um mês depois, quando o homem partiu para cima de Dora com uma estaca pontuda na mão. O susto fez com que a bolsa estourasse e ela entrasse em trabalho de parto antes da hora.
Depois disso, Dora engravidou outras quatro vezes, mas as agressões físicas e psicológicas fizeram com que perdesse todos os bebês – ainda na barriga ou depois de partos prematuros. A jovem vivia isolada e sem esperança. “Não podia procurar o meu povo, pois havia me casado contra a vontade deles. Como é que eu ia pedir socorro? Achava que eu era a responsável pela minha situação.”
Dora é uma sobrevivente. Em 2009, depois de anos se fortalecendo junto a outras mulheres, integrantes do movimento de trabalhadoras rurais, conseguiu terminar o casamento. Contrariou os costumes e a religião para deixar o lugar que deveria ser de proteção mas também é arriscado para se ser mulher nos dias de hoje: a própria casa.
Números levantados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para o Atlas da Violência 2019 revelam uma realidade alarmante a esse respeito: as mulheres estão em perigo na própria casa. Entre 2007 e 2017, 39,2% dos homicídios de mulheres no Brasil aconteceram dentro de casa. Entre os homens, o índice é de 15,9% – os assassinatos de homens acontecem mais fora de casa (68,2%). A pesquisa mostra que as mulheres não estão seguras em nenhum local, mas a trajetória da violência é pior em casa: enquanto a taxa de homicídios de mulheres fora do domicílio subiu 28% em 10 anos, as ocorrências registradas em casa subiram 38%.
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Por Carolina Vicentin